Às réstias do meu país, Raquel Travia

[Revisto por Márcia Marto]

Nas sobras da antiguidade de Portugal

existem pedras de calçada na berma da estrada alcatroada,

onde a sombra de um pequeno burro amarrado

ainda por lá vagueia, qual alma penada!

(A ruralidade das planícies para o gado

transformou-se no urbanismo do concreto,

gris de poluição, como a cor do céu de hoje).

A gastronomia camponesa do gaspacho à açorda

e o forno a lenha onde se cozia o pão;

Os tanques gastos de uso, coloridos

a azul e branco pelo sabão.

Os moinhos caiados, singelamente

pontilhados nos montes entre as estevas,

a girar ao sabor do vento;

As varinas de canastra à cabeça,

os ofícios do engraxador de sapatos

ao amolador.

O cante alentejano e o fado da mouraria;

Os sinos da igreja a invocar,

os padres “Amaros” escondidos pela batina,

as “Amélias” na sacristia atrás da cortina…

Quantos deles não há ainda por aí?

Nem só de fotografias

vive a memória do nosso país,

enquanto houver avós a transmiti-la

netos que a relembrem

e pedras de calçada na berma da estrada alcatroada

ele não morrerá