Dossier: Eros

Coda: O Anti-Erótico.

Texto de João N.S. Almeida, Ana Sérgio e Ricardo Simonetto.

Como coda, ou epílogo, ou anexo a este dossier, resolvemos abordar expressões possíveis do reverso do erótico. Coisas que sejam, de alguma forma, conceptualmente repugnantes quando associadas ao mundo da sexualidade, do desejo e da sensualidade específica desses terrenos. Pensámos, assim, em coisas variadas tais como adolescentes a jogarem jogos de computador, ou, na sua versão hodierna, a insultarem-se uns aos outros nas redes sociais — ambas práticas semi-masturbatórias; depois, senhoras idosas, mal encaradas, a saírem da igreja cheias de um ímpeto de moralista barato e de uma espécie de frustração com a vida que pode ou não ter uma natureza sexual, figura esta que também todos conhecemos; depois ainda, políticos em geral: embora não seja dispicienda a observação de Henry Kissinger a Mao-Tsé Tung de que “o poder é o maior dos afrodisíacos”, o certo é que à primeira vista o mundo da política é feito de ladainhas, aborrecimento, fanatismo e desencontros; ainda, iguarias pouco sedutoras como sandes de torresmos, no campo da culinária, podem ser convites para a desilusão sexual; por último, cicatrizes e medicina: a intrusão de corpos estranhos e consequentemente do olhar no corpo, fora das suas aberturas naturais, constitui sempre um caso chocante e sensível, um cisma — separação — no sentido literal da palavra.

Alguns destes itens, como o caso do adolescente, o caso da pessoa idosa, e o caso do sacerdócio na sua versão decaída, assim como o político, representam frequentemente comportamentos censórios face à existência erótica. É com o sentido de ameaça e de alarme que muitas dessas personagens recebem a figuração desse tipo de sensualidade, e, embora reagindo de formas diferentes, o sentido da reacção é mais ou menos sempre o mesmo: o da rejeição e do desejo de elisão dessa figuração do erótico. Uma coisa, no entanto, tais estranhas abordagens, púdicas e infantis, de quem trata qualquer interesse por natureza misterioso nas figurações do erotismo têm razão: em plena concordância com Freud, eles sabem que a besta do sexo espreita a cada momento e que não existe realidade isenta de carga pornográfica, e que todo esse terreno é local de perigo, de ameaça, de jogo vital. No entanto, a maneira como lidam com isso é de um profundo trauma enrolado sobre si mesmo várias vezes e pode confundir qualquer pessoa sensata que não tenha paciência para, como se costuma dizer em linguagem despachada, “pessoas mal-resolvidas”.

Por último, gostaríamos apenas de retomar o ponto com que iniciámos este dossier, e lembrar que esta é apenas uma leitura do erótico; existem muitas outras. Seria, aliás, possível inverter completamente a mesa que aqui dispusemos e tratar o grosso do dossier, todas as anteriores secções a esta, como fazendo na verdade parte do anti-erótico; e tratar esta secção de epílogo que acabámos de apresentar como fazendo parte do erótico. E esta seria, mesmo assim, uma leitura válida.

É tudo. Agradecemos a todos a vossa atenção.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s