Dossier: Eros

Partes Exóticas do Corpo

Texto de João N.S. Almeida e Ana Sérgio.

Na moralidade visual do ocidente, após o tabu da perna e da coxa ter sido amplamente ultrapassado, resta um que anteriormente já o era, apesar de mais frequentemente violado, e o continua a ser: o do pé. Quererá isto talvez dizer que era mais importante o começo do fim (o pé como caminho que leva à perna e mais acima) do que o fim ou a proximidade do fim (o ventre). Ou seja, o erotismo que antes aparecia na figuração de um tornozelo ou de um corpo podológico inteiro – com a sua complexidade, os seus pormenores (sugerindo outros membros, como a mão ou o falo ou o contra-falo) – manteve-se intenso, apesar de a área aparentemente sugerida, a perna e coxa, terem ficado entretanto, com o desenvolvimento da aparição pública no Ocidente, descobertas. Talvez isto sugira que as pessoas não pensam de forma objetiva. No caso dos pés, é bastante mais fácil de ver, com esta leitura, qual o encanto, comparativamente com outras partes exóticas do corpo: embora sejam mesmo assim uma área distante dos núcleos da sexualidade, e assim também exótica. São porém, paralelamente com as mãos, extremidades do corpo aventureiras e particularmente sensitivas. É claro que o fenómeno do fetichismo, aqui, é um fenómeno urbano e cosmopolita, dado que no campo, na lavoura, na fábrica, os pés estão cobertos por uma carapaça de uso que os endurece e reduz essa sensibilidade. É, no entanto, amplamente conhecido por ser o fetiche sexual mais comum. Por muito que tentemos especular das maneiras mais básicas sobre as sensibilidades eróticas dessa região, apenas génios como Sigmund Freud conseguem ter rasgos de enunciado que sugerem explicações nunca por nós imaginadas: o inimitável autor observou, assim, como o pé é também fálico, e como o movimento do mesmo a entrar no sapato representava um movimento de penetração e cópula. Em homenagem a esta fixação tão comum, e respeitando o mundo de representações de segunda e terceira ordem dos fetiches, apresentamos aqui um par de meias da adidas.

Um par de meias da Adidas, disposto sobre soalho de madeira.

Existe ainda outra parte invulgar e insuspeita do corpo que é alvo de fetichismo muito mais exótico: as axilas. A esta atracação chama-se tecnicamente de maschalagnia. Em geral de pouco interesse na interacção erótica comum, são mesmo assim pontos hormonalmente bem carregados, e dos poucos lugares extra-púbicos onde podemos encontrar um acumular de pilosidade específico, uma pele rugosa e penetrante, e as bem conhecidas consequências odoríferas dessa intensidade. Vários artistas (Buñuel, por exemplo, em Un Chien Andalous) notaram as semelhanças entre essa parte do corpo e o púbis adulto. Existe, porém, e de modo enormemente invulgar, um lugar do mundo em que esta é mais fetichizada do que nos demais: na região da Índia. É um foco erótico particularmente vivo nessa área geográfica, e tal pode representar uma questão cultural ou quiçá de algum modo étnica de maneiras que não sabemos explicar.Uma procura na internet por erotismo relacionado com essas relíquias do corpo, ou simplesmente uma procura pelo nome dessa região do corpo, irá devolver uma numerosa quantidade de páginas de fotografias dessa parte do corpo, em geral não descoberta de pilosidade. Não há, à partida, explicação para este caso tão raro: será que as características da pele desse grupo étnico estão mais precisamente harmonizadas com as equivalentes nas partes púbicas? Existirá alguma outra razão cultural ou religiosa para isso? O objecto da axila será mais tabu nessa cultura do que na nossa? Não sabemos. Mas é interessante e até graciosamente perturbante.

Por último, o caso dos cabelos é o mais comum, o mais socialmente aceitável, já tem certas culturas, que aliás tem bem presente a perigosidade da dimensão erótica do cabelo, mas não deixa de representar um fenómeno curioso. O cabelo é constituído fundamentalmente por células mortas, e é um anexo do corpo que não tem sensibilidade em si. No entanto, a beleza do mesmo é decisiva para o encanto erótico muitas vezes. E o gesto de acariciar o cabelo, que é tão universal, tão ternurento e tão bem recebido em geral, é curioso porque contém uma dimensão extra do fenómeno da representação: não são as festas no próprio cabelo que sentimos, pois o cabelo não tem sensibilidade, mas antes sentimos que me estão a dar festas numa coisa ligada a nós. Isso é deveras interessante. Não é evidente aliás nenhuma outra parte do corpo com que isso passe desse modo.

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