Editorial 87/88-1: sobre as redes sociais

Texto da direcção e redação.

As redes sociais são um lugar estranho. Ainda são demasiado recentes – e ainda estão vivas demais (sendo provável que o estejam durante muito tempo) – para as compreendermos totalmente. Talvez para já não tenhamos começado a dominar a ponta do iceberg que é o mundo virtual – e, ainda assim, talvez já saibamos demais. Ocorrem prontamente, nestes momentos, duas imagens: pelo primeiro motivo, a da História, que tem de estar morta para ser inteligível e, pelo segundo, a da Torre de Babel. 

Por um lado, dizemos uns aos outros, nas redes sociais, coisas que teríamos pudor de dizer pessoalmente. Por outro lado, tudo escapa muito facilmente ao nosso controlo e toma proporções quase grotescas. Outro aspecto que há a salientar é o esbater da divisão entre o público e o privado, sendo aqueles de nós que frequentam estes universos virtuais muitas vezes levados a expor aos outros coisas que não dizem respeito senão a nós e a comentar coisas, exibidas pelos outros, que não nos dizem de todo respeito. Isto é já uma boa parte do problema. 

Outra parte do problema são as características particulares de certas redes sociais – eminentemente do Twitter – que as transformam num sítio no mínimo pouco saudável, no máximo intolerante e intolerável. Isto, claro está, aliado à característica geral já notada de as redes sociais fazerem tudo – incluindo interações entre pessoas – ir além da justa proporção num espaço de tempo muito curto e, frequentemente, inadvertidamente, o que é, no mínimo, potencialmente explosivo.

Vêm estas considerações a propósito de um incidente ocorrido num passado recente, ligado com a nossa conta do Twitter. Verificámos algo que já tinha ocorrido antes, a saber: que aquilo que tínhamos acordado ou apalavrado em reuniões da redacção quanto à gestão das nossas redes sociais não tinha sido cumprido. Adicionalmente, também nos preocupou foi notar uma certa falta de empatia comum no comentário da nossa conta relativamente à situação em causa, a de uma pessoa transsexual que tinha publicado uma fotografia de um pós-operatório como ilustração de uma vitória pessoal.

Não temos, nem está isso aqui em causa, nenhuma posição única acerca do tema da transsexualidade, tema para nós igual ou semelhante a tantos outros, estejam na ordem do dia ou não. O que está em causa é uma falha óbvia de sensibilidade no que toca ao  significado emocional do gesto da partilha da fotografia para a pessoa que a partilhou. Isto independentemente de a exibição pública dessa fotografia numa rede social poder ser considerada indecorosa, sobre o que também não temos uma opinião única, ou de estarem já bem documentados os efeitos adversos, nomeadamente ao nível da saúde mental, que a exposição de certo tipo de coisas nas redes sociais tem em toda a gente, particularmente nos jovens, que usa essas redes. É à falta de uma certa empatia que objectamos neste caso concreto. É isso, especialmente, que lamentamos ter ocorrido da nossa parte. 

Há ainda um aspecto fundamental deste problema que sugerimos para discussão: pensamos ser errado o comentário que publicámos, por não reflectir a opinião de todos nós e por ser, dentro de uma certa leitura do seu contexto, inapropriado; porém, muitas vezes vemos indivíduos que insultam aqueles a quem podemos chamar de pessoas abstractas (entidades colectivas e figuras públicas) saindo impunemente. Porque se tornou esta forma de ataque tão comum, e o que os que a praticam pensam ganhar com ela? Ou seja, se por um lado pessoas comuns se julgam no direito de dizer tudo que lhes passe pela cabeça, por outro lado as instituições estão não apenas proibidas de responder à letra, mas também são delas esperados pedidos de desculpa por qualquer episódio. Isto não é equilibrado As redes sociais evidenciam isto: dispõem um modo eminentemente democrático de interacção mas, perante isso, verificamos que as pessoas e as instituições não têm uns com os outros uma postura de todo democrática. Este é o debate que fica lançado.

Esperamos que esta admissão nossa encoraje, porventura, outros a lamentar também e a corrigir – como nós, de resto, pretendemos fazer – a sua conduta neste tipo de espaços virtuais. Sabemos que é bem provável que isso não venha a acontecer.