Recensão de: Lurdes Patrício, Exemplos Antigos. Paremiologia e fraseologia no Teatro Português do Século XVI: provérbios, ditados, adágios, anexins, rifões e outros ditos e sentenças quinhentistas (Tavira: Câmara Municipal de Tavira / Lisboa: Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2021), por Tomás Vicente Ferreira

Texto de Tomás Vicente Ferreira. Revisão dos Drs. Rui Soares e Lurdes Patrício. Imagem: Fotografia do livro em análise tirada por Tomás Vicente Ferreira.

O livro objecto da presente recensão, a recolha de provérbios no teatro quinhentista Exemplos Antigos, de Lurdes Patrício, é, na feliz expressão de um erudito estrangeiro, “uma Bíblia” – ou não fosse a Bíblia um dos maiores repositórios de ditos proverbiais alguma vez compilados (é, por exemplo, de notar que, tal como o Orlando Furioso de Ludovico Ariosto espalhou as suas histórias pela Europa toda durante o Renascimento e além dele, a Bíblia é, além de outras coisas, responsável por infestar abençoadamente de provérbios todos os cantos do mundo tocados por esse Livro dos Livros). 

Exemplos Antigos tem a sua génese na edição das obras completas de Gil Vicente em CD-ROM coordenada pelo Prof. José Camões há mais de vinte anos. Esta empreitada, depois transposta para um site na Internet, acabou por dar origem à página web “Teatro de Autores Portugueses do Séc. XVI”, um repositório de teatro quinhentista – incluindo manuscritos facsimilados – que permite múltiplas buscas nos textos. Posteriormente, Lurdes Patrício fez, com os seus colegas do CET, o levantamento das ocorrências de expressões proverbiais nesse corpus de autores e obras de Quinhentos e é esse levantamento que é dado ao prelo neste livro. 

A magnitude do resultado dessa investigação está bem à vista de quem tenha o livro à mão: em mais de 700 páginas A4 estão recolhidas, juntamente com variantes, mais de 2100 matrizes proverbiais dispersas por um vasto leque de autores e obras. Desses autores, pelo número de provérbios utilizados e pelo engenho do seu uso, avultam os nomes de Gil Vicente (como seria de esperar) e de Jorge Ferreira de Vasconcelos e António Prestes. (Ver, para um apanhado das características do uso que cada um desses autores faz destes ditos e provérbios, a “Apresentação” de Lurdes Patrício, op. cit., pp. 19-20).

Este trabalho, que agora se traz a público, constitui-se como uma obra de referência indispensável para estudos futuros, não só no âmbito da paremiologia como também no dos estudos de teatro. Lembremo-nos que as duas coisas não estão separadas. O uso que um dramaturgo faz da sabedoria popular corrente do seu tempo e da tradição oral é muito revelador tanto da cultura que o rodeia e dos seus intuitos dramáticos como do conhecimento do público alvo. Lurdes Patrício chama a atenção, por exemplo, para o modo como António Prestes cita provérbios que aparecem truncados ou são apenas aludidos. No entanto, é interessante pensar que o público tinha de ter uma familiaridade muito grande com este material para perceber as referências. Isso, claro, permite-nos lançar luz sobre muitos aspectos. Devo dizer, claro, que o interesse dos provérbios para os estudos de teatro e, conversamente, a pertinência do teatro para a paremiologia, não são descobertas recentes. Isto é bem evidenciado pelos estudos feitos no século XX no âmbito da obra de Shakespeare. Cite-se, por exemplo, a recolha Shakespeare’s Proverbial Language: An Index (1981), de R. W. Dent, ou o mais antigo mas igualmente influente A Dictionary of the Proverbs in England in the Sixteenth and Seventeenth Centuries (1950), de M. P. Tilley. Ainda assim, este tipo de estudo está, em Portugal, apenas começado e é evidente o mérito do presente livro em fazê-lo avançar notavelmente.