Texto de Ana C. Rafael. Revisão de Mariana Antão.
Mas afinal que idade tenho?
Não sei que idade tenho. Juro que não sei. Tenho de esticar o cérebro com matemática de 7 anos para saber quantos anos tenho. Tenho de olhar para o calendário e adicionar o número 1 aos últimos 2 dígitos. Ainda vai chegar o meu aniversário e não vou saber que idade tenho. Só quando vir as velas no meu bolo.
Acordo a pensar que tenho 60 anos. Levanto-me interiormente esburacada, da mesma forma como me levantei ontem. Uma hora no YouTube, um humph ao balançar as minhas pernas para fora das colchas e arrastar-me, seguindo os meus gatos, para comer um iogurte. Depois volto a arrastar-me para a cama, passo o resto do dia no YouTube. Durmo. Às vezes tenho uma mudança na rotina. Dou uma volta com a cadela antes de dormir. Ou acordo e rego os tomates. Ou vou ao mercado. Mas a rotina é sempre a mesma.
Há 2 anos atrás tinha 16. Ou pensei que tinha 16, também não sabendo que idade tinha. Mas uma rotina diferente todos os dias, sabia que teria. Umas aulinhas na FLUL, um concerto no casino, uns reggaetons no Bairro Alto, uns passeares até à ponte Vasco da Gama. Havias alguns pontos fixos. Ir a casa todos os fins-de-semana, ou desejar boa noite à minha colega de quarto.
Mas o que é certo é que hoje acordo a pensar que tenho 60 anos, e que a vida passou por mim. Não sei se é a ansiedade de começar uma existência com mais preocupações. Não sei se é do covid, um ladrão de 1 ano da minha vida que já se faz sentir tão curta. Gostaria de voltar a acordar com 16 anos e tentar aproveitar melhor. Ou, se calhar, já me sinto com 60 há algum tempo, desde o momento em que os meus pés abandonaram a gravilha do picadeiro e juntei o rastejante vestido dentro do carro. Acordo com 60, pico de 16, adormeço com 60. Rotativa rotina que me deixa com 60 ainda mais carregados. Já não me lembro do último momento em que me senti com a minha idade. Será que aos 6 me sentia como se tivesse 6? Provavelmente. As memórias fugidias de um cérebro de 60 não se deixam focar. Aos 12? Sorrisos e caíres de corações. Sim. Foi aos 16 que me comecei a sentir como se tivesse 60? Foi aos 16 que o meu cérebro enrugou para os 60? Foi aos 16 que comecei a acordar, a picar e a adormecer?
Há dias futuros em que irei acordar com 16. Ou com 6. Quando um filho se jogar para cima da minha cama e implorar para fingirmos que é um trampolim. Um forte de almofadas. Um guincho no Oceanário. Mas irei adormecer com 60. Quando vierem para casa ensanguentados. Um caso McCann. Um susto adolescente.
Será melhor um acordar com 60, um picar de 16, um adormecer de 60 quando se está nos 40? Melhor do que um acordar com 60, um picar de 16, um adormecer de 60 quando se está nos 20?