Retomamos a tradição recém-inaugurada de apresentarmos aos leitores um resumo do que têm sido as nossas partilhas nas redes sociais durante o passado mês.
Assim, nesta newsletter de Novembro, em que estamos todos algures entre dias de imitação de Verão e outros de sólido outono/inverno, bons para passeios ao crepúsculo e tudo o mais, começamos pelo destaque dos artistas visuais Tom of Finland e Helmut Newton, ambos de forte componente erótica. Ocorreu-nos partilhar estes dois autores, pois por vezes ficamos surpreendidos com alguns colegas que confundem fotografia erótica — ou simplesmente fotografia artística per se — com pornografia, vulgaridade, imagem utilitária que faculte a excitação sensual, etc. Queremos contribuir para alguma literacia visual; assim, apresentamos primeiro Helmut Newton, conhecido pelos seus trabalhos sobre a figura do nu feminino. Espreitem algumas peças sobre a vida e o trabalho do autor, e um documentário. Quanto ao lendário Tom of Finland, artista dedicado ao homo-erotismo cujo trabalho versou particularmente sobre versões do estilo “macho gay” popularizadas nos anos setenta, feito de cabedais justos, correntes e alguns bigodes, espreitem alguns dos seus trabalhos nestes artigos.
É claro que este mês de Novembro foi pautado pelo lançamento da primeira parte da nossa edição dupla 86/87, esta dedicada ao escritor Fiodor Dostoevsky, nos 200 anos do seu nascimento. Em breve lançaremos a segunda parte desta edição dupla, dedicada ao escritor Eça de Queirós. As chamadas para artigos desta última ainda estão, aparentemente, abertas até ao último segundo do fecho da edição, como de costume no mundo das publicações.
Foram escritos mais editoriais sobre assuntos correntes da faculdade: um, sobre a convivência forçada entre política e humanidades na nossa faculdade; outro, sobre os famosos e as famosas ratos e baratas, parte real parte ficção, e um outro ainda sobre o estatuto corrente e futuro da revista Os Fazedores de Letras. Tivemos também uma reunião aberta, que continuaremos a realizar com regularidade.
Em termos de música, tivemos o prazer de relembrar o grande compositor Carl Stalling, que invulgarmente influenciou, de maneira explícita ou inconsciente, vários autores de vanguarda da segunda metade do século: ele era o compositor das bandas sonoras de muitos desenhos animados da Warner Brothers. As mudanças súbitas de registo musical e anímico das composições, adequadas à narrativa do desenho animado, são a sua marca talvez mais evidente. Lembrámos também uma sonoridade verdadeiramente extraordinário: a música coral de países comunistas, apresentamos, novamente, o coro militar da Coreia do Norte, muito semelhante ao lendário coro do exército soviético que dominava os tops da especialidade há algumas décadas atrás. Por último, a engraçadíssima composição de Rossini, pelo grupo francês Les Petits Chanteurs à la Croix de Bois [Os Pequenos Cantores da Cruz de Madeira]. Neste excerto, de um concerto de 30 de Novembro de 1996 em Seoul, na Coreia do Sul, dois dos rapazes que integravam o grupo cantam o famoso, cómico e engenhoso “Dueto dos Gatos” de Gioachino Rossini (1792-1868), compositor italiano muito popular no seu tempo e hoje quiçá injustamente obscurecido, dados os seus extraordinários dotes tanto para a ópera séria como para a cómica.
Quanto ao habitual rol de curiosidades e bizarrias, tivemos o prazer de partilhar uma espécie de “conversas em família” com um conhecido ditador. As seguintes transcrições não são todas fiáveis, conforme foi desvendado por Richard Evans e Mikael Nilsson, mas muito do que lá está terá o mínimo de credibilidade. Na palavra de Albert Speer, “o Führer era o típico alemão conhecido como Besserwisser, o sabe-tudo. A sua mente estava cheia de informações incompletas e erróneas sobre tudo e mais alguma coisa. Creio que a razão por que reunia tantos acólitos à sua volta era devido ao seu instinto indicar-lhe que pessoas de primeira linha não conseguiriam digerir as suas verborreias.” Tudo isto foi registado na edição Hitler’s Table Talks. Depois, recordámos uma publicação que existiu durante algumas décadas e que teve uma enorme influência no mundo da comédia norte-americana. Falamos da National Lampoon, fundada em 1970 derivada da Harvard Lampoon. No seu auge, a publicação albergou diversos escritores de talento, pré Saturday Night Live, assim como actores e argumentistas, dado que a constelação em redor da publicação deu também origem a vários filmes, programas de rádio e eventos ao vivo. Tivemos ainda o enorme prazer de chamar a atenção para um livro muito interessante, primaveril no prazer do conhecimento que nos oferece e sério na investigação de que se alimenta: o clássico de Iona e Peter Opie, “The Lore and Language of Schoolchildren” (1959), sobre a linguagem, os jogos, rimas, ditos, tradições, ritos, diatribes, piadas e encantos das crianças de escola. Iona e Peter Opie, professores de literatura e também folcloristas, desbravaram novos caminhos no entendimento do universo linguístico, social e ritual das crianças e do caudal de ensinamentos e experiência contidos nesse universo, conteúdo que pode com toda a propriedade ser tratado como literatura oral. O casal Opie mostra, neste livro, como os jogos contêm verdade e que a brincar se transmitem coisas sérias. É de interesse para todos os que se interessam por literatura oral, pelo mundo das crianças, por história, etnologia e sociologia – e também para quem gosta de dar umas boas gargalhadas, para quem se recusa a crescer e a tornar-se aborrecido e para todos os que se lembram do que é ser criança e guardam boas memórias dos dias dourados passados no pátio da escola.
Em relação ao sempre conflituoso (por natureza) tema do sexo, verificámos que muitas pessoas aparentemente liberais em termos de costumes (tolerando homossexualidade, transexualidade, relações polígamas ou poliamorosas, etc.) tinham no entanto uma grande dificuldade em compreender práticas incestuosas como admissíveis. A razão para isto ser assim não é clara. Mas um escritor genial chamado Sigmund Freud adiantou uma complexa teoria psicológica sobre o assunto na obra Totem e Tabu: descreveu como a proibição de relações sexuais dentro do próprio clã advém simplesmente de ser uma barreira de segurança que a civilização impôs para que os membros do clã não desatassem todos a matarem-se uns aos outros e a competirem pelas fêmeas dentro desse mesmo clã. Espreitem a obra, pensem, e desfrutem!

No cinema, particularmente, o sexo é um tema frequente, implícita ou explicitamente: recordámos o filme de Louis Malle, de 1978, Pretty Baby, em que Brooke Shields, então com onze anos de idade, interpreta uma prostituta. O realizador era já conhecido por outros trabalhos de forte erotismo, como Elevator to the Gallows e The Lovers. A mãe da atriz respondia-lhe, quando esta perguntava se devia prestar atenção às críticas, “Are you proud of what you did? Well, then fuck ‘em.”. Não pudemos também deixar de destacar um filme que caminha a passos seguros para se tornar um clássico de culto: Jennifer’s Body, de 2008. O filme é uma versão sci-fi/terror da femme fatale, à semelhança da série “Species”, dos anos 90. Megan Fox está em casa no registo entre a comédia, o kitsch e o cinema de horror, na companhia de Amanda Seyfried, reunindo todos os melhores elementos dos filmes de teenagers e de monstros, e alicerçando-os no tropo forte da mulher devoradora de homens. Ao contrário de Species, aqui os actores parece que estão a gostar do que estão a fazer. E ainda, antes da geração mais recente de filmes de super-heróis, a maior parte dos quais sofríveis, a primeira experiência de larga escala nesse género foi tentada nos anos 70 do século passado, com um das mais míticas figuras desse universo: o Super-Homem. Interpretado e quase definitivamente canonizado por Christopher Reeve, o filme (em duas partes) mantém-se relativamente decente a nível de argumento, actuações, efeitos especiais — e, principalmente, mantém-se icónico, influente e parte da história do cinema como a conhecemos. Deixamos aqui uma das cenas mais líricas do filme que milagrosamente não descai para o vulgar e sentimental, mas mantém-se com uma graça invulgar, alicerçada, provavelmente, numa mistura da indefectibilidade de Reeves e no carácter tremido e vicioso (álcool e drogas) de Margot Kidder.
Algumas das nossas questões levaram-nos a recordar Raquel Welch e também Rock Hudson. Em 60 e 70, Welch era a pin-up girl por excelência, fantasia de todos os rapazes. Actriz, cantora e modelo, participou em inúmeros filmes de pouca importância mas é ainda reconhecida como uma das bombshells mais importantes de todos os tempos. Lembrámo-nos dela a propósito da bonita imagem que usámos numa publicação. A segunda fotografia que partilhamos é das mais conhecidas. Desejamos a toda a gente que sejam um pouco de Raquel Welch! Recordámos também o galã clássico de Hollywood Rock Hudson. Senhor de um corpo portentoso, bem proporcionado e elegante, pertenceu a uma era em que a homossexualidade não era conciliável com o estatuto de vedeta. Teve, assim, de entrar num casamento de fachada, pressionado pelo medo do escândalo. Espreitem um pouco da biografia do actor e alguma fotografia.
Recordámos também vários pontos que levantaram excelente discussões. Um deles curiosamente levantou alguns pudores da parte de colegas: a separação entre artista e obra. Podemos para isto enumerar casos fortes, os mais interessantes e desafiantes, de Charles Manson, ou Alphonse de Sade; os casos fracos, como os de Pablo Picasso, Roman Polanski, e Caravaggio, suscitam ainda algum interesse (em paralelo, será importante lembrar que relações doentias, como ilustradas ou vivenciadas por Marilyn Manson, Lana del Rey, ou Auguste Rodin, existem e não são idênticas a crimes, embora por vezes, noutros casos, pareçam estar perigosamente próximas disso, como com Sid Vicious); por último, lembramos alguns casos muito fracos onde só uma mentalidade intoleravelmente persecutória e moralista poderá encontrar caso para censura pública: Chris Pratt, membro de uma igreja que tolera mas não encoraja a homossexualidade, Woody Allen e Mia Farrow, envolvidos numa disputa conjugal com alegações de abuso sexual onde nada foi ainda provado em tribunal, Johnny Depp e Amber Heard, que se acusaram mutuamente de violência doméstica, Louis CK, que se insinuou de forma sexual a várias das suas assistentes, com consentimento das mesmas, e Charlie Rose, acusado também de assédio sexual no local de trabalho, tendo sido imediatamente despedido sem apelo e banido de um certo nível da vida pública. Depois, algumas cogitações gerais em redor da nossa actividade principal, a prática de humanidades e a reflexão filosófica, interseccionam, como sabem, domínios práticos da ação humana, nomeadamente a acção política. É com muito gosto que reiteramos vezes sem conta que para fazer o que sempre se fez nas humanidades e na universidade, e estudo e amor do pensamento pelo pensamento e do saber pelo saber, não é necessária, e é eventualmente até desaconselhável, a entrada nas oficinas da política activa. Apesar de poderem eventualmente conviver, uma e outra prática devem ser mantidas a uma distância higiénica para que não se estorvem, pois como é evidente o desinteresse da primeira não é sempre conciliável com o interesse da segunda. A nossa participação na passada reunião geral de alunos – que para alguns de nós tinha sido a primeira de sempre – lembrou-nos mais uma vez dessa distância que por vezes parece intransponível; e lembrou-nos também como a tradição da ação política está irrevogavelmente misturada com emoções primitivas, complexos psicológicos de várias camadas, e muito com a violência. É nessa nota, um pouco à sombra de Freud – outro autor que hoje deve ser lido mais sobre o desinteresse das humanidades do que sobre o interesse da psicologia aplicada – que lembramos como a política é, apesar de última barreira antes do caos social, um território de violência, de impulsos primitivos e de irracionalismo. Deixamos breve bibliografia sobre o tópico. E ainda, a propósito da estreia de um filme biográfico sobre a activista infantil Greta Thunberg, vimos aqui lembrar um pouco da história das crianças-celebridade, que muitas vezes acabam mal e algumas poucas bem.
E é tudo. Caminhemos então a passos seguros em direcção ao calor do Natal e das festas de fim-de-ano, que estão já aí à porta. Cumprimentos em nome de toda a direcção!