Texto de Victor Hugo Nicéas. Revisão de João N. S. Almeida. Imagem: “a morte de Sócrates”, de Jacques-Louis David.
O medo da morte nos impele a viver. Sejam por registros fotográficos, por vídeos ou escritos. A falta de manutenção de ter o que já passou nos causa medo e espanto, melhor ser romântico para ao passado retornar. Morrer, de um ponto de vista naturalístico, pressupõe a preexistência da vida. Uma relação de causalidade intrínseca na matéria viva, uma conditio sine qua non da realidade nascida. Falar em morte pode ser uma barreira intransponível para certas pessoas as quais se escondem em imaginações fáticas e argumentações sensíveis.
Astros se modificam continuamente, o espaço enquanto matéria se modifica pela causalidade, o tempo sempre flui em sua constância, assim como a humanidade imersa neste espaço-tempo, pois também vem da matéria, sendo regido pela causalidade, nasce, modifica-se e morre, um ciclo natural existente em qualquer ser vivo. A vida é uma linda mentira que satisfaz o viver, a morte uma dolorosa verdade que nos impossibilita manter. O humano vulgar conserva tudo, teme o desconhecido, almejando sempre continuar da forma que está, sem nada alterar, sem ao menos arriscar.
Por que temer o inevitável? Vive-se para trabalhar, o tempo gasto consigo mesmo em nossa sociedade acaba por ser um sinônimo de perda. Deve-se economizá-lo com afazeres para gerar a noção de aumento da vida, sendo que de facto ainda não se vive, pois independente da falsa sensação de controle que isto pode gerar, a fluidez temporal continua a corroer a carcaça humana. Esta falta de viver faz renegar o morrer, como se fosse algo que pudesse ser evitado. Medo é, infelizmente, a palavra-chave da combustão, o motor que, aparentemente, retira da inércia a mentalidade do indivíduo comum, todavia também é ele que proporciona o constante imediatismo existente na vida. A fuga de si mesmo torna o medroso um cético, fazendo-o subir os degraus metafóricos que nos narra Cortázar ou retirando o seu senso de ser, sem temer o que está por vir.
Um dos grandes problemas abarcados no bojo desta ausência de temeridade seria a necessidade, ou simplesmente a busca, de retirada da própria vida devido à ausência de vontade de permanecer nela. Claro, morte liberta da vida que aperta esgana e sufoca, mas deverá ser o humano um meio para a libertação de si mesmo? Somos sujeitos escravizados pelos desejos e não devemos satisfazê-los a todo custo. Talvez o medo possa se fazer necessário para evitar situações extremas, mesmo que o ideal seja o controle e reconhecimento do seu ‘eu’ no mundo individual, pois quando a fuga do “eu” ocorre por meios mundanos, o aniquilamento de si mesmo se torna banal.
Suicídio não se faz solução afável. Autoconhecimento/autocontrole seria o fim último humano, sua carta de alforria do ciclo da vida, uma fuga consciente e intrínseca em prol de um ideal platônico, pois a morte é justamente a inevitabilidade da vida, a reafirmação da natureza em nós. Sim, corpo é natural, uma árvore, um cachorro ou um ser humano, todos horizontalmente dispostos, com a singela distinção da razão que nos gera a falsa sensação de superioridade, no qual resulta em todo e qualquer aniquilamento existente. A ilusão da ausência de existência da morte impulsiona o viver de muitos, sendo suas vidas pautadas em uma mentira e as suas mortes encaradas com espanto