Texto da direcção. Imagem: La Roue de la Fortune. Calque de Miniatures de l’ Hortus Deliciarum de Herrade de Landsberg. Paris: Bibliothèque Nationale de France (Dept Estampes Ad 144 a)
No seguimento de projectos que temos vindo a preparar desde há vários meses, alicerçados no trabalho que nós, a direcção, toda a redação e todos os colaboradores que connosco trabalharam nos últimos anos temos levado a cabo, temos um encaminhamento claro para esta revista, que vimos novamente descortinar para os nossos leitores e para todos os alunos não só da Faculdade de Letras mas de toda a Universidade de Lisboa e do público em geral, seja este português ou do estrangeiro. Mas antes, um pouco de história recente e não tão recente. A publicação Os Fazedores de Letras foi fundada em 1993 por vários estudantes da FLUL, numa absoluta dependência da Associação de Estudantes da altura, com a qual se confundia um pouco na sua estrutura e constituição. Ganhou nome ao longo dessa década através não só da publicação de conteúdos dos alunos da faculdade mas também pela forte adopção de algumas causas políticas como a da luta pela independência de Timor-Leste. Entrando na segunda década da sua existência, atingiu um pico de produtividade por volta do ano 2000. Pertence a esse período, sensivelmente aos anos 1998-2001, aquilo a que se entendeu chamar “os estatutos” dos Fazedores, mas que, na verdade, não tem a validade legal dos estatutos de uma associação, servindo apenas como uma espécie de regulamento interno, uma vez não se encontram publicados em nenhuma colectânea legal reconhecida para o efeito. Nesse tempo, tínhamos ainda uma publicação em papel, com acordos com empresas gráficas, com financiamento da Associação de Estudantes e do IPDJ, uma conta bancária, etc.
Pouco a pouco, devido aos percalços, políticos e económicos, quer da vida das associações de estudantes da FLUL durante essa primeira década do novo milénio, quer talvez também das situações orçamentais do país, a revista começou a entrar num certo declínio — não de qualidade necessariamente, não é a isso que nos referimos — quanto ao crescente desinteresse dos alunos em colaborar no projeto. Talvez este declínio corresponda à ascensão das plataformas digitais, dos blogs e das redes sociais no início do novo milénio: é natural que, no mundo digital onde todos passaram a ter voz através desses meios que são até excepcionalmente democráticos, possa ocorrer algum natural desinteresse no modelo clássico de “jornal de alunos de faculdade“. O certo é que, devido a problemas de variada ordem, o jornal conheceu um hiato na sua actividade entre 2007 e 2010. Um ressurgimento da revista foi tentado várias vezes, nomeadamente em 2010, mas revelou-se de pouca duração. Em 2015, o começo da transição para iteração presente da revista, de que foi sintoma a edição nº 78 (Fevereiro de 2015), teve lugar. Dado que o regulamento interno previa que a direção sempre se auto-renovasse, resolveu-se, no fim de 2017, à margem desse regulamento e por impossibilidade de o cumprir, convocar umas eleições extraordinárias directas para eleger uma direção e uma nova equipa para a revista que tiveram lugar a 23 de Março de 2018. Na proposta apresentada pelas pessoas que se candidataram estava especialmente patente a preocupação com a pluralidade de opiniões filosóficas, políticas, etc. identidade que se mantém até hoje. Nessa primeira equipa desta iteração da revista estava uma pessoa que se mantém connosco até hoje: o Tomás Vicente Ferreira, que passou a ser o diretor desde há cerca de três anos. É de notar, aliás, que foi também o Tomás um dos principais impulsionadores, e talvez mesmo o primeiro motivador da ideia de dar renascimento à publicação. Apesar de todo o interesse manifestado recentemente na existência da revista (como se ela existisse independentemente do trabalho que algumas pessoas têm realizado desde 2014), a verdade é que é bem possível que, se não fosse pelo Tomás, e por algumas outras pessoas, a revista hoje não existiria de todo, pois na prática estava absolutamente desaparecida em combate.
É, então, na continuidade desse projeto que ainda hoje vivemos e trabalhamos. E, desde 2020, sensivelmente, quando o João N. S. Almeida se juntou à equipa de forma mais próxima — e começou a colaborar bastante activamente para o desenvolvimento das plataformas electrónicas da revista, para a organização de edições e para a criação de um modelo de revisão muito mais eficaz mas também muito mais exigente (tanto para os revisores como para os autores) que resulta inevitavelmente na melhoria dos textos e num processo muito profícuo quer para autores quer para revisores — a revista, os seus conteúdos, o seu público e até as suas atividades cresceram exponencialmente. De facto, temos hoje o quádruplo de visitantes e visualizações do site — que é o nosso mais importante guia do impacto e do interesse que temos para as populações de alunos e leitores em geral, e não as redes sociais — do que tínhamos há três anos atrás, na altura das edições nº 79 e 80, depois de o site ter sido criado, em Outubro de 2018. O resultado tem sido, assim, aquele que cremos que é um dos melhores períodos da história da revista em termos de interesse suscitado, de material recebido, de diversidade de iniciativas realizadas, etc., e seguramente o seu melhor período desde que existe em formato exclusivamente digital.
O resto da história institucional até ao momento presente é curta, bem sucedida e autónoma. Em 2019, na sequência de uma pré-falência da Associação de Estudantes, apresentámos uma carta formal de desvinculação da instituição a que até então estivemos ligados, por sugestão da mesma, a pretexto de facilitar-se a continuidade dos núcleos caso essa viesse a acontecer. No meio da bagunça burocrática a que tais processos normalmente são atreitos, tal falência acabou por não acontecer. No entanto, não só essa carta de desvinculação tem validade formal e prática (dado que já não dependíamos da Associação de modo algum, nem tínhamos com a mesma qualquer tipo de relação relevante), como também representa o percurso natural da revista, que desde a sua própria criação se foi orientando para uma crescente autonomia e independentização face à política estudantil personificada na associação de estudantes.
Apesar da parca publicidade e do consequente desconhecimento da maioria da população estudantil da faculdade, passou-se a reunião geral da passada sexta-feira, onde esteve presente o avassalador número de 34 alunos. A associação de estudantes, a mesa da reunião geral de alunos e os colegas que lá estiveram presentes, não aceitando o facto de não pertencermos à Associação de Estudantes, resolveram votar a destituição de uma direcção pertencente a um núcleo já não existente, o que tem, como é óbvio, as mesmas consequências práticas relacionadas com a não existência em geral e com o número zero. A nossa posição, dos dois elementos da direcção que estiveram presentes na reunião, foi simples: a abstenção perante uma proposta que versava sobre algo que não existia. Como sabem, temos, ao dia de hoje, 22 membros na nossa equipa, 15 dos quais da Faculdade de Letras, 5 de outras faculdades da ULisboa e 2 de universidades estrangeiras. Temos colegas, temos amigos, temos leitores, dentro e fora da Faculdade de Letras – e dentro e fora de Portugal. Não arregimentámos absolutamente ninguém para esta reunião geral de alunos por duas razões: primeiro, não desejamos o aborrecimento formal, burocrático e quase soviético de uma cerimónia destas a ninguém; segundo, para a transmissão dos factos em causa, e para representar a revista no seu espírito aberto, dialogante, próximo de todos os alunos, bastava a presença de uma ou duas pessoas. Assim foi, e foi, como já dissemos, um enorme prazer termos estados presentes nessa Assembleia, termos falado com tantos colegas, termos tido o privilégio de responder às suas questões diretamente. Isto porque a nossa postura é a que sempre foi: nas humanidades não há assuntos proibidos e é com a conversa, a universalidade de perspectivas, e o confronto de ideias que é possível, se for sequer possível, esclarecer todas e quaisquer questões.
Por isso, na sequência do que temos vindo a preparar desde há mais de um ano, encaminharemos, sob o debate aberto a fazer com todos os alunos interessados numa revista de artes e humanidades, a publicação para um modelo institucional a estudar, que será provavelmente associativo, desvinculado dos percalços políticos e económicos das associações de estudantes. A publicação continuará a fazer exactamente o mesmo trabalho que tem vindo a fazer, agora com a questão da vinculação à AE esclarecida. Por outro lado, a revista Os Fazedores de Letras tem vindo progressivamente a abrir-se à mais vasta comunidade da Universidade de Lisboa. Este espírito está também enquadrado numa premissa muito própria das humanidades enquanto casa de todos os saberes. É nosso entender que podemos alicerçar uma publicação, talvez inicialmente em forma de suplemento, que albergue conteúdos ensaísticos e de produção literária também da parte de todos os alunos de todas as outras escolas da Universidade de Lisboa. Temos a forte convicção de que todos os saberes, desde as ciências exatas até às ciências sociais, podem ser transformados em conteúdos inteligíveis para o estudante médio, e cremos que a casa das humanidades na Universidade de Lisboa, a Faculdade de Letras, é o lugar ideal onde alicerçar esse projecto. Vamos, assim, perseverar no enorme espírito de amor às humanidades – e a todas as áreas do conhecimento – que nos rege. Uma enorme e calorosa saudação a todos e muito obrigado.
A Direcção