Sobre “Tamen e a Contestação”, Fábio Moniz

Texto de Fábio Moniz. Revisão de Guilherme Berjano Valente.

Este texto procura, somente, e sem qualquer tipo de peso insultuoso – que é um tipo de opinião vindo de, evidentemente, um escalão mais baixo da sociedade – responder aos argumentos semi-auto-validados que se podem encontrar no texto recentemente publicado “Tamen e a contestação”, de João N. S. Almeida.

Começando pela imagem a acompanhar o artigo, parece, desde logo, dar asas a uma corrente generalista, o que não é algo que se tenha aqui neste caso. Mais à frente se tornará clara esta frase. Também o uso de tochas pela população de Springfield para se fazer acompanhar de um texto sobre insultos a uma figura que deve liderar uma instituição é levar ao exagero um conjunto de palavras de desagrado – muitas delas bastante válidas.

Desconhecendo o mandato dos ex-directores citados, abstém-se este texto de carregar informações erróneas.

Este texto abster-se-á, também, de justificar e defender qualquer insulto que possa ter sido dirigido ao director, que, ainda que possa ter os defeitos que, evidentemente, tem, não deixa de ser uma pessoa que merece o devido respeito.

Iniciando esta pequena resposta, aborde-se, em primeiro lugar, a questão da assumpção da responsabilidade. Ora, é válido – e corajoso guerreiro é aquele que assume a responsabilidade dos próprios actos, assim como os de toda a comunidade académica pertencente à instituição –, mas, ao mesmo tempo, invalida o restante do argumento. Assumir a responsabilidade não atribui isenção de culpa. Muitas vezes parecem pouco razoáveis as decisões tomadas pela direcção, que se opõem às necessidades de certas classes de pessoas que frequentam a instituição. Parece estranho, alguém fora do círculo das elites frequentar o ensino superior, mas é real. Aliás, algumas melhoras a nível económico de determinadas famílias, certos apoios fora e dentro da instituição permitiram que assim pudesse acontecer essa inacreditável mudança na educação. A verdade, no entanto, é que as condições de cada indivíduo não dependem, directa ou indirectamente, do director da instituição, mas de muitas outras coisas.

Porque estão certas pessoas insatisfeitas e atribuem as culpas ao director? É simples, visto ser este quem dá a cara pelo órgão organizacional, é a ele que se dirigem para procurar alguma mudança na gestão da instituição. Neste caso, não se fala em questões de financiamento, mais de gestão humanística e bom senso. Talvez um esforço de empatia. Há muitas coisas que poderiam ser feitas para facilitar – e, consequentemente, melhorar os serviços da faculdade – e para trazer para a faculdade curiosos e futuros profissionais. Falo, neste caso, da abertura de um regime pós-laboral, que, até há bem pouco tempo, nem se fazia sentir aproximar do que deveria ser. Um regime deste tipo permitiria um aumento significativo do número de matrículas, resultando na formação de melhores profissionais e melhores oportunidades para os trabalhadores que, infelizmente, não puderam experienciar uma vida virada, totalmente, para a educação, mas, antes, tiveram de trabalhar para conseguir sustentar-se a si mesmos, a família e, quem sabe, a família do amigo e do vizinho, que pudessem estar a passar pelas mesmas ou maiores dificuldades. Existem vidas deste tipo, infelizmente, das quais um enorme número dos estudantes universitários não tem ideia. Aliás, os estudantes do secundário, muitos deles, se contestam o funcionamento das escolas é exactamente por não terem o apoio que deveriam ter, sendo esses mesmo alunos aqueles que são segregados e, por esse motivo, apresentam os piores resultados a nível escolar. Isto tudo leva ao abandono escolar. “Estão sempre a queixar-se da vida. Estudassem”, respondem muitos, que bem se fazem ouvir, tendo chegado esse mesmo discurso às redes sociais; ignorantes de que a essas mesmas pessoas que se queixam foi interdita uma grande parte das oportunidades tidas por muitos outros.

Avançando para o segundo ponto abordado no texto publicado por João N. S. Almeida, a questão da situação pandémica e o funcionamento da instituição. Dá-se toda a validação aos argumentos apresentados no que toca à novidade e à urgência e complexidade da situação. No entanto, há duas coisas a perceber, neste caso: a “não menos notória (…) mudança de posição dos alunos, que ora reclamavam por a faculdade não fechar, ora reclamavam pela (sic) mesma não abrir, em períodos não muito distantes no tempo, parecendo que estavam mais motivados por compreensível desespero pessoal do que por raciocínio lógico” terá sido a opinião de grupos de estudantes diferentes, que se encontravam em situações de vida diferentes; a faculdade dispõe de todos os materiais e de todo um corpo operacional capaz de trabalhar sob diferentes realidades – dado o devido tempo (falar-se-á melhor mais à frente).

Começando pelos diferentes grupos de alunos que se dispunham em opiniões diferentes, para os alunos pertencentes a uma posição hierárquica superior e com todas as condições favoráveis para funcionar num modelo de ensino à distância, obviamente esses terão todo o gosto e à vontade em participar nas aulas nesse mesmo regime. Infelizmente – ou felizmente, dependendo do ponto de vista, pois este assunto requeriria uma enorme discussão –, nem todos os alunos têm a possibilidade de (i) estar num local, dentro de casa, com acesso a um espaço em que tenham completo silêncio (ou o mínimo de barulhos incomodativos) e privacidade para se poderem concentrar nas tarefas de aprendizagem, que exigem um grau elevado de foco; (ii) os materiais, dispositivos e serviços para poderem acompanhar essas mesmas aulas; (iii) as condições dos serviços variam de região para região, de localidade para localidade e de servidor para servidor; (iv) a literacia informática necessária para lidar com o software utilizado pelo corpo docente da instituição. Posto isto, uma possível solução foi encontrada e organizaram-se, oferecendo os materiais necessários assim como as condições necessárias, quanto possível, aos alunos, para poderem assistir e participar nas aulas, mesmo quando não possuíam todas as condições. O problema maior que se coloca é com a obrigatoriedade de ser um regime ou outro, visto que, apesar de ser uma situação que, a qualquer momento, pode mudar (como aconteceu), muitos alunos que vêm de regiões fora de Lisboa – e, neste aspecto, penso que a faculdade deveria querer manter esse prestígio, oferecendo condições favoráveis a todos os alunos – tiveram de se deslocar até Lisboa para terem aulas à distância, o que não justifica, em nada, o tal regime misto proposto, que de misto só teve o nome atribuído. Misto, isto é, no sentido em que, no mesmo dia, umas aulas eram leccionadas à distância e outras presencialmente, consoante as vontades. Por exemplo, uma pessoa que resida fora da área de Lisboa teria de, propositadamente, deslocar-se até à faculdade para ter uma aula presencial e o resto das cadeiras seriam leccionadas à distância, o que, no fim, acabaria por prejudicar a pessoa a vários níveis, pois é só normal contar com todos os factores, como o factor económico, em que muitas empresas cessaram funções; e, muitos dos empresários e dos funcionários das empresas têm filhos que, surpreendentemente, frequentam a Faculdade de Letras. Ora, sabendo que, muito provavelmente, nenhum deles tem os custos da residência em Lisboa cobertos tanto pelos serviços da faculdade como pelos órgãos sociais do Estado, parece óbvio o ponto onde se quer chegar.

O mesmo se pode dizer dos professores. Nenhum professor tem a obrigatoriedade de ter um escritório para leccionar à distância. Talvez nem tenham essa possibilidade. Vá-se lá controlar a vida das outras pessoas, agora. O espaço profissional é no espaço profissional, em casa é espaço para se distanciar do trabalho e fazer outras coisas que não sejam pensar em actividades laborais. Também se pode muito bem oferecer um curso rápido para que se torne mais fácil o funcionamento com o software utilizado pela instituição para leccionar. Ora, tenha-se em conta, por exemplo, alunos ou funcionários que tenham esse conhecimento informático, para ajudarem os professores e alunos a orientar-se, da forma mais fluida possível, para que as aulas corram dentro do mínimo de normalidade. Pode- se, então, a partir daqui, e, para além de saber manejar os materiais, tendo-os à disposição, tornar o regime (pseudo-)misto em regime misto e tornar as aulas presenciais e, ao mesmo tempo, à distância.

Uma última nota, antes de fechar este texto, vem no seguimento desta afirmação: “em Portugal, além do mérito, o simples dar a cara e assumir responsabilidade é desde cedo brindado com o enxovalho público, a fúria das turbas, e a ridicularização pelos invejosos, o que reflecte somente uma cultura provinciana, pouco séria e nada meritocrática”. Setenho de concordar com esta frase, posso dizer que concordo com nada. Em Portugal, raramente se dá atenção ao mérito, mais aos laços familiares e às amizades de longa data. Peço desculpa ao conjunto de peças de cozinha que acabei de ofender. A incompetência tem de ser reconhecida e ultrapassada, seja pelo reconhecimento e correcção da mesma, seja por colocar alguém com melhores competências (não estou aqui a chamar incompetente a ninguém e reconheço a simpatia e humanidade do Sr. Tamen, que me respondeu, de forma muito cordial, a uma mensagem que terei enviado há já uns meses e a quem agradeço pela resposta). De invejoso, as pessoas que se queixam só têm pelo facto de não terem nascido, pegando nos ditos populares, com Copérnico a mirar as estrelas através do orifício algures na região da pélvis humana, situado à rectaguarda (esse mesmo). Por último, é certo e bem notado que a meritocracia, se funciona, é para aqueles cujo mérito já vem inscrito na certidão de nascimento.