Texto de Magda Martins. Revisão de João N.S. Almeida e Beatriz Cadete.
Falar-vos-ei, nesta recensão, de uma obra de uma banda portuguesa de metal gótico, de renome internacional – cujo vocalista, curiosamente, estudou na nossa Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: os Moonspell. Muitos consideram esta a banda mais internacional de Portugal, que leva o som do metal nacional a todos os cantos da Europa e do mundo. O álbum que vi abordar é 1755, o décimo primeiro trabalho da banda.
O próprio título do álbum sugere desde logo um certo nacionalismo e apela à memória do desastre que abalou a capital e o país. Este começa com uma versão remasterizada do tema “Em Nome Do Medo”, originário do álbum Alpha Noir; não poderia ser mais apropriado, dado o terror vivido na altura. O tema em si dá-nos uma noção do que o álbum abordará e do sentimento presente em todas as músicas: a sua musicalidade é suave e orquestrada. Seguindo os mesmos passos de “Em Nome do Medo”, o segundo tema é o homónimo do álbum, intitulado de “1755”. A letra faz-nos viajar até ao momento exato em que o mar recuou e as estruturas de pedra se desmoronaram; também neste está presente uma sonoridade baseada em orquestra, mas desta vez é possível ouvir a guitarra num solo mais oriental e, atrevo-me até a dizer, místico.
A faixa seguinte “In Tremor Dei” apresenta uma letra profunda que nos recorda dos incêndios causados pelo sismo. No entanto, quando se pensa que esta é apenas uma música típica de Moonspell, eis que surge a participação de Paulo Bragança, um fadista conhecido por ser um renegado e um tanto desajustado por seguir um estilo muito próprio, algo que faz questão de demonstrar nesta parceria. Entre a musicalidade nacionalista do fado e a brutalidade que é o metal, este tema foi cuidadosamente concebido para nos dar arrepios. O seguinte tema “Desastre” é, tal como o nome indica, uma referência óbvia ao tremor que aterrorizou a cidade e, consequentemente, o país: e aqui culpa-se a realeza e a igreja de abandonarem o povo e deixarem milhares de pessoas desamparadas, o que resultou em inúmeras mortes. Refere-se ainda que Deus não passa de um homem. Existe, como sempre, uma presença forte da voz do vocalista, rodeada de um coro que relembra ópera o que, em retrospectiva, oferece a este e outros temas um certo requinte.
Das composições mais marcantes do álbum, “Abanão” é, sem qualquer sombra de dúvida, o tema mais pesado de 1755. Há referências ao fado da cidade, à ilusão de grandeza e ao próprio sismo; e como se não bastasse, existe ainda um breakdown ao qual nenhum amante deste estilo musical fica indiferente, tão contagiante que irá, de certeza, fazer os pescoços doerem de tanto abanar. O riff está tremido, pesado e é isto que todo o álbum retrata. A seguir, “Evento” começa com a sonoridade de uma guitarra acústica, seguida do habitual som típico da banda. Aqui retrata-se a ausência de Deus e o resultado do abanão: diria até que não foi coincidência este ser o tema seguinte ao mais pesado do álbum. Descreve-se como se enterram os mortos e cuidam os vivos, como se deve fazer após um desastre de tal tamanho, e o tema aborda também o sossego após a tempestade. A melodia inicial percorre toda a música, remetendo à memória que todos temos do marcante desastre de 1755. É aqui, assim como em “Todos os Santos” e “In Tremor Dei” que mais se nota a crítica à falta de auxílio prestado da igreja, tendo este a mensagem de que o sismo foi obra de Deus (“sossega-te, é o fim, e fica quieto porque Deus quis assim”).
Em “1 de novembro”, começamos com um registo vocal diferente por parte de Fernando Ribeiro: algo a roçar uma fusão da sonoridade da voz de Tom Araya de Slayer, de Daemonarch, banda de alguns elementos do grupo anterior a Moonspell, e da banda portuguesa Ritalina, mas sempre acompanhada pelo coro inspirado em cânticos de música operática ou sacra, presente em todo o álbum. Este tema deixa marcado a ferro quente a memória da data do terramoto que, segundo alguns historiadores, foi o maior sismo alguma vez registado. A meio surge uma melodia típica do vocalista, regressando mais tarde à tal mistura pouco habitual. “Ruínas” faz-nos regressar ao subgénero mais vincado de Moonspell, o metal gótico: o início é típico de uma banda normal do género, remetendo à crua essência da banda, e tem um som mais profundo, com um padrão mais visível que assombra a música inteira e um solo de guitarra que faz arrepiar qualquer um. É sem dúvida a música mais crua do álbum inteiro.
Em “Todos os Santos”, como já foi dito, critca-se a negligência da igreja, um órgão significativo da sociedade do século XVIII: este tema emite, contudo, uma mensagem de esperança, de que se “faz dia em Portugal”, de que o país se vai erguer após este desastre, mesmo sem a ajuda dos santos. Chegando então ao último tema, “Lanterna dos Afogados”, há algo que nos é estranhamente familiar: a música foi adaptada do tema original da banda brasileira Os Paralamas do Sucesso, mas a sonoridade alegre da original é afogada pelo estilo próprio da banda, ressuscitando-o como o tema alusivo ao que se seguiu ao sismo, o maremoto que terminou com o que restava das ruínas da cidade e, com isto, o álbum 1755.
De modo geral, após uma cuidada análise do álbum, dou uma nota de 6 em 10. O primeiro tema parece ser uma remasterização fraca do original do álbum Alpha Noir, retirando bastante a essência da música. Mas esse tema é irrelevante para o resto do álbum que gira todo em volta do medo, terror e da memória que ainda hoje se encontra em ruínas (como podemos ver no Convento do Carmo). Este álbum poderia ser resumido em 2 ou 3 temas e podia ter mantido mais a sua essência como metal gótico, mas há que se tirar o chapéu quando se mistura a sonoridade crua e pesada do metal com a saudade do fado, que, na minha opinião poderia ser considerado o tema principal do álbum, remetendo para o tal medo, a falta de auxílio e a lembrança do desastre. Concluo a afirmar que foi uma temática arriscada e de simbologia complicada, mas bem conseguida.