Texto de Fábio Moniz.
Diga-se, quem puder ver de longe, destas pessoas como serão elas alucinadas, alienadas, ilógicas e outros tantos adjectivos e predicativos do sujeito, dependendo da construcção frásica, que se possam encontrar, o pior chega-se-nos quando se aproxima a loucura e a insanidade em forma de ameaça passiva. Falo de uma experiência conhecida de uma pessoa, a qual irei manter no anonimato.
O tema é, para aqueles mais sensíveis, um pouco pesado e pode gerar má-disposição, por isso, aconselha-se, a esses mesmos, que continuem a ler, para a revolta ser ainda maior – ou indignação pela negação deste texto. Parece divertido assistir aos comentários instigadores de uma Nova Ordem Mundial, teoria retirada de alguns filmes de Hollywood, trazer à superfície um discurso pseudo-científico para argumentar contra evidência científica rigorosa e com método experimental coerente, que procura a melhoria do estilo de vida. Exactamente. A investigação científica procura melhorar o estilo de vida das pessoas e é por essa razão que a investigação científica segue um método rigoroso, para se ter a certeza de que o que se traz para o público tem mais benefícios do que malefícios.
Desde há algum tempo se ouve falar de uma certa polémica acerca da vacinação e da desconfiança por parte de alguns conspiradores, que levou a uma onda de suspeita até para aqueles grandes admiradores e defensores das ciências exactas e da investigação na área da medicina e química laboratorial. Muitos pais deixaram de vacinar os filhos devido a uma certa crença de que as vacinas são prejuidiciais à saúde e de que o próprio sistema imunitário desenvolve, por si só, anti-corpos contra as várias maleitas.
Chegou-se a um ponto em que uma doença surgiu, tendo, como epicentro, Wuhan, na China. As primeiras teorias falavam de um laboratório, na China, que terá desenvolvido e utilizado um vírus como arma biológica fatal para dizimar a população idosa do planeta. Este tipo de teorias contribuiu para a intensificação do ódio pela comunidade chinesa (ou qualquer comunidade “dos olhos em bico” em geral, que foi discriminada e chegou, até, a sofrer agressões físicas, como se tivesse culpa da propagação do vírus). Na altura em que o vírus ainda estava no território chinês, tudo bem, ‘não é nada connosco’, em vez de se unirem forças, dar as mãos e lutar contra uma doença desconhecida, que ataca humanos, sejam eles de que etnia forem.
As coisas foram piorando. Muitas vezes se fala nas variantes do covid-19. Opiniões se foram formando, baseadas em fundamentos científicos explorados e explicados. Os vírus evoluem. Sofrem mutações. Isto acontece com todos os corpos. É natural. As moléculas também se fragmentam. Têm um tempo de semi-vida. As mutações podem ser preocupantes ou não. O ideal é prestar uma constante atenção, controlar. Até aqui se encontraram teorias espalhadas de forma imprudente, confundindo os mais atentos leitores, não sabendo já de que fonte ir buscar certa e determinada informação. O presente texto trata uma certa teoria, digna de um estudo parodiático, interpretado pelos mais hábeis escritores da comédia, que fala de uma nova variante de um vírus em voga. Ora se pede, ora se desdenha. Tanto se chorou por uma vacina, que, quando esta foi desenvolvida, finalmente, para a felicidade de todos, o mundo dividiu-se em duas facções: os fura-filas e os anti-ciência. Os fura-filas aproveitavam-se das suas posições e das posições dos familiares e amigos para levarem a pica no braço mais cedo do que quem estava em primeiro na fila. Os anti-ciência aproveitam-se de termos científicos e, principalmente, pseudo-científicos para distorcer a ciência. É como dizer-se ser sustentável e comprar uma caldeira nova para mudar o mundo.
No preciso momento em que se redige este texto, vive-se uma nova variante: a variante dos vacinados. O Pesadelo das Mil e Uma Teorias a Ter em Conta em Todas as Pandemias, de Aquele que É. Título traduzido do hebraico. A questão deixa de ter tanta piada, quando a conspiração bate à nossa porta. Pior, quando convive connosco.
A célebre frase “a família não se escolhe” é uma frase que toca a muitos com um desgosto enorme. Agrava-se, quando se diz de uma família que tem os filhos na mão por ter – mesmo que não passe de uma ideia – uma certa autoridade económica sobre os filhos. Parece que obrigam os filhos a viver a vida escolhida pelos pais. Cai mal desejar a morte a alguém, mas cai ainda pior fazer chantagem emocional em tom de ameaça. A pessoa em causa, no meu entender, é uma pessoa a favor da ciência e do avanço científico. Devido a esta propagação infame, a piada passou de algo longínquo, uma peça onde são separados por uma quarta parede o espectador dos actores, a um pesadelo tão próximo quanto o bafo pútrido a morte na boca do Alien.
A conversa começa como quando uma mãe tem uma conversa sobre menstruação, cuidados de higiene e gravidez com uma mulher em vias de entrar na adolescência. ‘Não há quem queira melhor para os meus filhos do que eu’. Esta frase iça, desde logo, uma bandeira vermelha. Não é uma piada. É um aviso de toxicidade. A conversa avança, como a carreira de um comboio a partir da estação terminal, com um vagar e entra pela segunda frase índice de toxicidade, ‘vocês são livres de fazer aquilo que querem com a vossa vida’. Esta frase não é, de todo, um incentivo à liberdade. Antes pelo contrário, é uma técnica usada para que o interlocutor se sinta culpado por uma certa decisão ou atitude tida ou ponderada. Introdução feita, com cheiro a ácido sulfúrico e cianedo, a conversa dá uma volta em U e cai na morte. Literalmente a morte. Porque, agora, a vacina é desenvolvida para matar. De que forma mata essa vacina? Não se sabe, mas há várias coisas que se diz conter a vacina. Uma delas é o magneto. Para um fã de banda desenhada, isto até poderia ser uma coisa boa, pois seria possível enfrentar, sem medo, o Wolverine e o Iron Man. Isso e nano metais que vagueiam pelos vasos sanguíneos, criando uma corrente magnética que atrai ímanes de frigorífico – cuidado ao entrar em lojas de souvenir: tirou, paga.
A outra é o SPARK, que ainda não se chegou a perceber do que se trata, pela boca dos conspiradores. Ainda há tempo para desenvolver a teoria. Talvez ainda esteja para aprovação científica ou revisão de pares. Espere-se mais uns meses. Para além destas, a vacina é poderosíssima. É incrível como a ciência terá chegado ao ponto de, numa seringa, conseguir armazenar tal potencial. A vacina é capaz de alterar o ADN das pessoas. O ADN – ácido desoxirribonucleico – é um segmento proteico onde os genes que atribuem as características humanas (como, por exemplo, o lobo das orelhas ser separado ou não da cabeça, ou a cor da íris) se encontram organizados. Essas proteínas são a maior companhia de cada um dos seres humanos, nunca nos deixam. Agora, é possível terminar essa relação.
A situação desta pessoa torna-se ainda mais bizarra quando se fala numa nova variante da doença da covid-19: a variante dos vacinados. Esta variante mete medo a estes conspiradores. Verdade, sim. Este parente não tem medo do covid-19. Antes fosse. Uma doença que matou milhares de pessoas em Portugal e milhões no mundo é irrelevante. Pior é a variante dos vacinados, que não se sabe onde foi parar a cartola do habilidoso mágico que produziu tal idiotice. A tal variante conta com um bilhete para esta pessoa, duplamente negada pelos próprios parentes. O monólogo – porque a pessoa só ouviu, sem saber o que responder – passou-se mais ou menos assim: ‘eu não tenho medo deste vírus, que não é aquilo que dizem. A DGS foi obrigada a ir ao tribunal para divulgar os números verdadeiros das pessoas que morreram disto e nem sequer divulgaram os verdadeiros. Morreram 125 pessoas de covid, segundo esses documentos. Na verdade, morreram muito menos, mas pronto. O que me preocupa mais é esta variante dos vacinados. Tu queres levar a vacina e eu não te posso dizer nada. Só tenho medo que depois venhas para aqui, com a vacina tomada. Esta variante é que vai matar muita gente’.
Talvez não seja tão óbvio para alguns, mas esta pessoa, de uma forma muito subtil, está a ser afastada de casa. Expulsa de uma forma muito carinhosa. Ou seja, a pessoa vai-se sentir culpada por levar uma vacina e ir assustar os outros moradores da habitação com uma variante inexistente, com um toque extra de doçura, que conta mais ou menos com: ‘eu não gosto de dizer “eu avisei”, mas espero que não te venhas a arrepender’.
Esta é a estranha e bizarra vida de quem vive com as piadas das redes sociais. Essas piadas perdem toda a piada quando nos tocam a sério e nos retiram o chão. Muitas pessoas talvez possam estar a passar por algo semelhante. O problema maior pode até ser este acesso a informação fácil e a não consulta de artigos científicos rigorosos, com método, avaliados e publicados por entidades responsáveis. Pode-se dizer, até, que, como certa informação é elidida, eliminada e reportada como crime, seja vista como verdade, por ser inconveniente. No entanto, parece muito pouco credível esse funcionamento tão novelístico, cinematográfico, até cartoonístico.