Debate: Casos particulares de expressão política, 19 Julho, 15:00-20:00

Cartaz: Bernardo André.

Para fechar este ano lectivo — que começou a pontuar, esperamos, um regresso à normalidade — vamos falar de política (que original, não é?). Preparámos uma série de partilhas de casos esdrúxulos de expressão e de acção política, que culminará num debate online aberto a todos, entre as 15:00 e as 20:00 de 19 de Julho. Decorrerá no Zoom, no seguinte link:

Debate: Casos Particulares De Expressão Política
Hora: 19 jul. 2021 03:00 da tarde Lisboa
https://zoom.us/j/95429480654?pwd=cnVtTGVPNUd2SUZuRmdObThnSm5hZz09

Os pontos que levantamos pretendem apresentar uma visão da política não linear, não binomial e até anti-universal, ou seja, um entendimento de que os princípios abstratos da política, sob os quais subsumimos intenções ou actos políticos em concreto, são construções absolutamente imperfeitas e não substanciais nem essenciais. Ou seja, que as categorias esquerda, direita, centro, progressismo, conservadorismo, etc., são apenas constelações de significados mas não correspondem a identidades absolutas, ao contrário do que a paixão política possa levar a crer. Sendo assim, alinhamos esta série de  partilhas que expõem visões particulares sobre determinados aspetos políticos, a maioria dos quais ainda na ordem da democracia — ordem essa que, de facto, acaba também por reger este debate de ideias, dado que este tipo de conversa é mais possível num regime democrático de liberdades individuais do que noutros. Levantaremos, é claro, alguns casos extremos para servirem de exemplo, esticando assim a corda do quadro democrático, mas fazemo-lo dentro das margens de segurança não só do respeito pela massa intelectual de todos aqueles que nos lêem e todos aqueles que para nós escrevem, mas também pela confiança que temos na liberdade de pensamento e de expressão.

O primeiro ponto que queríamos abordar é a ligação não improvável mas poucas vezes lembrada entre o cristianismo e o socialismo ou comunismo. Frequentemente, associamos cristianismo a conservadorismo e ausência de preocupações sociais, mas esta visão é muito limitada: podemos lembrar a tradição da doutrina social da Igreja católica, que procurou responder às preocupações de Marx mas rejeitando o marxismo; e podemos também lembrar a longa tradição do socialismo cristão e nomes como o de John Ruskin: sobre este e outros pontos relacionados, deixamo-vos aqui e recomendamos a leitura do artigo “Three Cheers for Socialism”, do teólogo americano David Bentley Hart. Mas podíamos também lembrar que a preocupação com os pobres e oprimidos e a condenação da riqueza está inscrita no âmago do cristianismo desde o início (como em Mc 10: 17-27, quando Jesus afirma que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no Reino de Deus): a base da filosofia social dos primeiros cristãos era desfazerem-se de todos os seus bens e viver em comunidade partilhando uns com os outros os recursos disponíveis (Actos 4:32-37). O Novo Testamento é claro: a propriedade deve ser tida em “koinonia”, ou seja, comunalmente. Será interessante considerar a esta luz questões relacionadas com a propriedade e a relação entre a posição cristã original e movimentos políticos mais recentes. Como leitura preparatória, recomendamos outro ensaio de David Bentley Hart, “Christ’s Rabble”, um comentário do Papa Francisco, e a leitura de uma perspectiva libertária que tenta compatibilizar o dever comunitário cristão com o respeito pela propriedade.

A propósito de um outro tópico mais radical, de marxismo extremo, queremos pôr na ordem da mesa, mais uma vez, a distribuição forçada de propriedade, não muito popular em absoluto nos sectores mais burgueses da esquerda política. Apresentamos duas perspectivas, uma da revista Jacobin sobre riqueza herdada, e outra liberal sobre uma eventual falácia da redistribuição de riqueza. Este ponto envolve considerações mais fundamentais sobre o valor moral da propriedade e se este deriva ou não de um princípio natural — e, sendo assim, até que ponto é que construções da civilização o podem ou devem limitar.

Um outro tópico importante e incomum, recuperado num artigo do investigador Bruce Gilley há uns anos atrás: os benefícios das colonizações ao longo da história, não só para os povos colonizadores para também para os colonizados: não nos referimos só a exemplos mais recentes, mas a todos aqueles em que uma civilização num estado mais avançado — tecnológica ou culturalmente — tomou conta, ou emprestou os seus recursos, a civilizações menos avançadas, recebendo em troca o território, a influência, e bens humanos e materiais. Não é certo que economicamente tenha sido sempre um benefício para as nações colonizadoras. Recomendamos assim a leitura de Gilley em “The case for colonialism“, alguns apontamentos sobre a história pre-colonial de África e sobre a história do comércio atlântico, além de retratos económicos do desenvolvimento desse continente antes da colonização, alguns relacionados com a escravatura pré-existente à intervenção europeia.

A propósito de hábitos sociais que hoje temos, derivados de considerações políticas, é bom voltar a perguntar, numa perspectiva muito prática, se a reciclagem serve mais para consolo emocional do que para um uso eficiente dos recursos; ou seja, se por detrás do argumento sedutor de integrarmos o nosso consumo humano dentro de ciclos naturais supostamente perenes e auto-renováveis, etc, encontra-se uma actividade energicamente inútil e mais desgastante para o meio-ambiente no seu todo. Nesse caso, poder-se-á argumentar, o único benefício seria diminuir a existência de aterros sanitários, mas seria necessário pesar bem os prejuízos desses. Recordamos o polémico artigo de 1996 que trouxe essa questão para a ordem do dia, sendo sujeito a violentas críticas.

Queremos vivamente recomendar a todos que façam este famoso teste online para determinarem o vosso posicionamento político: o political compass. O teste é constituído por perguntas de formulação simples; e apesar das instruções do texto aconselharem a não pensar demasiado, queremos aconselhar os leitores a decidirem por si próprios, já que cada um é que saberá com que velocidade conseguirá responder de forma inteligível a uma pergunta séria: os resultados poderão variar significativamente conforme. Adicionalmente, deixamos aqui um artigo sobre a inadequação de categorias do espectro político à realidade do pensamento das pessoas.

Um outro ponto de que gostaríamos de falar prende-se com o anarquismo, sobretudo entendido na sua acepção clássica, mas sem descurar movimentos mais recentes desde o séc. XIX. É possível uma sociedade sem estado ou governo? Se sim, como? Parece que qualquer passo nesse sentido teria de se basear num consenso alargado e genuíno e/ou naquilo a que, de um ponto de vista cristão, se poderia chamar “conversão” da natureza humana. Uma visão do que poderia ser uma tal sociedade é-nos facultada em O Hobbit e na trilogia O Senhor dos Anéis, com o exemplo do Shire dos hobbits. Tolkien era, aliás, um confesso “anarco-monárquico”, no dizer do já citado teólogo e crítico literário David Bentley Hart. Ver, a este respeito, o seu ensaio “Anarcho-Monarchism”.

Da mesma forma, gostaríamos ainda de falar dos sistemas de organização comunalistas das ordens monásticas e mendicantes cristãs, em que se procura, regra geral, seguir o modelo dos primeiros cristãos e reduzir a propriedade privada ao mínimo essencial, sendo tudo o resto partilhado pela comunidade. Além disso, estas interessam-nos também pela sua constituição como micro-comunidades ou micro-sociedades. A esse respeito, podíamos lembrar também povos como os esquimós/inuits e os amish.

Agora apresentamos uma lista de partidos bizarros que mesmo assim têm lugar nos sistemas democráticos. A maior parte pode ser descrita como não-séria, ou seja, aproveitam a disponibilidade de um lugar político para fazer uma laracha. Porém, há que prestar atenção às por vezes muito inventivas e muito verdadeiras sugestões que o humor faz sobre as nossas ideias pré-concebidas, o que até pode levar, contra as probabilidades e as intenções, a resultados sérios: o Partido Pirata, o Partido dos Objectos Inanimados, o Monster Raving Loony Party do UK, , um partido punk alemão, o Partido Húngaro do Cão de Duas Caudas, o Deadly Serious Party da Austrália, o Partito dell’Amore, de Cicciolina, entre outros.

Queremos também abordar as relações entre as formas de política mais ignóbil e as suas expressões de arte: tomemos, por exemplo, a magnitude da neo-clássica arquitetura nazi, da autoria de Albert Speer, a gigantesca e desumana arquitetura soviética e comunista. É conhecida também a simpatia de inúmeros artistas por ideologias abjectas e por regimes totalitários, sendo Ezra Pound ou José Saramago dois dos exemplos mais conhecidos. Será, mesmo assim, possível separar o artista da obra, ou melhor, a opinião política do artista da pessoa que a emite. É possível também que nós próprios tenhamos opiniões políticas que no futuro possam vir a ser consideradas abjectas, e que tudo isso tem apenas uma relação marginal com a arte.

Decorrem ainda – e talvez continuem a decorrer – em várias partes do mundo certas cerimónias primitivas, difíceis de compreender para o gosto moderno, que envolvem rituais violentos para o corpo humano ou para o corpo e para a vida de animais. Estas práticas, apesar de recolherem imediata censura de pessoas urbanizadas e intelectualizadas, têm sempre alguma raiz compreensível, ou seja, é sempre possível encontrar o seu sentido além de uma leitura simplista e moralista que as censure à partida. Entre estes exemplos podemos citar as touradas, a flagelação penitencial, ou variações da arte da caça. Todos estes casos podem levantar a questão semi-platónica do ideal em oposição ao real: ou seja, até que ponto devemos resguardar a nossa interacção com o mundo da natureza — selvagem e imoral — ao mínimo indispensável ou se, pelo contrário, devemos aceitá-la e enquadrar a selvajaria num contexto civilizacional.

Ocorre-nos, ainda, lembrar a lenda, cuja historicidade não está ainda completamente esclarecida, da famosa Papisa Joana, que deu origem a vários romances históricos, como o excelente livro de Emmanuel Rhoides, bem como a vários filmes de ficção e documentário. Numa época em que avulta a preocupação com a equidade no acesso aos cargos de poder, a história da Papisa Joana pode ser vista como uma fábula política de subversão de todo um edifício hierárquico-governativo nos seus próprios termos.

A Papisa Joana dando à luz. Ilustração de um incunábulo (1473?) contendo a tradução alemã de Heinrich Steinhöwel do De mulieribus claris de Giovanni Boccaccio.

O tema dos imperadores e a relação do poder com a loucura. Poder-se-ia dizer, de forma estereotipada, que os Imperadores romanos tipicamente eram loucos, mas alguns entraram para o panteão das lendas: Calígula, Nero, Cómodo, Heliogabalus. Em alguns casos a longevidade está associada ao fenómeno: ser imperador durante algum tempo favorece a loucura, ou então é a loucura que favorece o primeiro caso: lembremos alguns excêntricos como Alberto João Jardim, Putin, Isaltino Morais. Mas nem todos os imperadores loucos duram muito tempo. Aliás, é de salientar que, no caso do império romano, geralmente, os imperadores que duraram mais tempo não eram loucos (e.g. Octávio Augusto, Trajano, Adriano, Antonino Pio, Marco Aurélio).

Abordemos também alguns protestos políticos fora do comum, distantes do convencionalismo de trabalhadores organizarem uma marcha com cartazes e slogans ou de feministas mostrarem os peitos. Por exemplo, em 1991, a propósito do aumento das propinas, em Portugal, surgiu um acto de protesto político bastante insubmisso e ao mesmo tempo bastante salutar, um acto pacífico de pintar letras no rabo formando uma frase de protesto. A fotografia é interessante: o carácter artesanal do protesto é evidente, dado que foram usados marcadores diferentes (o último protestante parece ter usado um tom muito mais carregado, enquanto que no terceiro a pilosidade excessiva, que poderia ter sido removida mas não foi, dilui a tonalidade mais baça da tinta). À frente, em primeiro plano, duas pessoas impecavelmente arranjadas, com ligeiro ar de embaraço, viram também as suas costas e demais anexos para os estudantes. Podemos ainda pensar em coisas que, geralmente, não veríamos como protestos políticos, como a “floresta dos empalados” que Vlad III Draculea, voivoda da Valáquia, atacado pelo exército otomano, deixou para trás às portas de Târgoviste durante a sua famosa retirada em 1462 e que tanto horror causou aos otomanos, uma espécie de protesto contra o colonialismo e o expansionismo imperial. Outro ainda: o filibuster do Senado dos Estados Unidos, que permite a um parlamentar falar ininterruptamente durante o tempo que quiser para bloquear uma lei, um exemplo que mostra onde a primazia — e a liberdade — do discurso humano congela as roldanas da burocracia.

Dois últimos tópicos: primeiro, a escravatura, património execrável da humanidade: Este ponto é diferente do colonialismo, já que a ocupação de um território e de um povo para um jugo e administração de outro não equivale necessariamente a escravatura. Do mesmo modo, dentro de uma mesma unidade civilizacional é possível encontrar até espécies de democracia convivendo com o fenómeno da escravatura institucionalizado. Queremos relembrar que a escravatura é um fenómeno universal, e que ninguém, nenhuma pessoa ou etnia, em particular tem o monopólio de ser descendente de escravos. É alegável, no entanto, que a industrialização do comércio transatlântico de negros tem uma diferença quantitativa significativa em relação a outras expressões do mesmo fenómeno. Queremos também relembrar e/ou propor que a abolição da escravatura parece ter claras raízes cristãs: a república de Bolonha, por exemplo, pagou uma soma exorbitante para libertar todos os escravos no seu território em meados do séc. XIII, fundamentando tal decisão exclusivamente com argumentos do Evangelho e da teologia cristãos, e os movimentos abolicionistas eram em geral alicerçados na fé cristã tendencialmente universalista. Elencamos então uma série de sub-pontos que podem ser aqui discutidos: (1) escravatura como património indesejável imaterial da humanidade (2) escravatura tendo salvado vidas, não apenas as desgraçando (3) escravatura como historicamente necessária (4) retratos na ficção e na história: Spartacus, Ben-Hur, Frederick Douglass e John Brown; imperadores bizantinos que eram camponeses, na Macedónia; Isaltino Morais e a ascensão social de caixeiro-viajante até presidente de Câmara. (5) escravatura como inaceitável sob o nosso sistema de valores. (6) e em que medida é que situações de carência económica, carência e dependência, sob sistemas democráticos, podem ser encaradas como escravatura? Faz sentido ou é um desrespeito para quem de facto tenha sofrido escravatura em sentido estrito? Deixamos um item bibliográfico adicional sobre este assunto: Tidiane N’Diaye – O Genocídio Ocultado. Investigação histórica sobre o tráfico negreiro Árabo-Muçulmano, além de uma entrevista ao mesmo autor https://www.dn.pt/cultura/foram-os-arabes-muculmanos-que-comecaram-o-trafico-de-escravos-em-grande-escala-10680721.html.

Por último, propomos a questão, não inédita mas muitas vezes posta de lado, de interrogar se as armas nucleares são instrumentos pacifistas, no sentido de serem um deterrent muito eficaz. Temos setenta anos de história de bombas nucleares e apenas duas foram utilizadas em contexto de guerra, curiosamente logo depois da sua invenção. Desde então, só na crise dos mísseis de Cuba, na administração americana de John F. Kennedy, se avizinhou um perigo real de guerra nuclear (e é sabido que nem os Russos nem os Americanos estavam com grande disposição para tal, estando no entanto Fidel Castro algo entusiasmado com o caso). Possivelmente a bomba atómica é uma arma que serve para não ser utilizada, e sendo assim salva também vidas e talvez nos tenha poupado a uma guerra entre as duas super-potências da segunda metade do séc. xx.

E é tudo. Dia 19, segunda-feira, entre as 15:00 e as 20:00, o debate é aberto a todos, e temas não vão faltar. Deixamos aqui novamente o link de Zoom para terem acesso à conversa, e desejamos a todos uma excelente semana. Ao longo desta, iremos partilhar, como já dissemos, todos estes pontos e os conteúdos associados nas redes sociais. Cumprimentos a todos, e até breve!

Debate: Casos Particulares De Expressão Política, 19 Julho, 15:00-20:00
Hora: 19 jul. 2021 03:00 da tarde Lisboa

https://zoom.us/j/95429480654?pwd=cnVtTGVPNUd2SUZuRmdObThnSm5hZz09

ID da reunião: 954 2948 0654
Senha de acesso: EJWc6W