Textos de Magda Martins (http://magstheraven.blogspot.com). Revisão de Lourenço Duarte.
Setúbal
A montanha
Que Maomé escalou
Não é mais que a minha;
Os fósseis adorados
Pelos arqueólogos
São apenas as cascas
Do vivido marisco.
Há quem diga que Moisés
Dividiu o mar vermelho
Em duas partes
Para o povo passar
E que Jesus transforma
Água em vinho.
Os meus deuses fizeram
O oceano rebentar
Com as entranhas
E liberar toda uma riqueza
Aprisionada pela sombra
De Olissipo, e assim
Deu-nos o sangue e o alimento.
Aqui, onde o vício do caos
É nada mais que a brisa
Que nos passa pelos cabelos,
Nos desintoxica as veias
Do resto do mundo,
É onde todo o mar
Se funde com o céu.
Azul. Só azul.
A cidade que me viu nascer.
Apenas a Ti
Divindade que caminhas
Entre nós, comuns mortais
A ti te peço
Com tudo o que sou
E alguma vez fui
Que me abençoes com a tua mão.
Tomai a minha na tua,
Guiai-me pelas chamas
Enquanto te olho cegamente,
Ignorando o resto do mundo.
Nunca me verguei
Perante ninguém.
Sempre achei
Que nunca o iria fazer.
Desceste tu, aqui à minha beira
Para me mostrar
Que é possível amar
Sem perder a vontade de viver.
Apenas a ti me ajoelho.
Apenas a ti te beijo as cicatrizes
Oriundas da queda do cosmos.
Apenas a ti dedico a minha escrita.
Apenas a ti te entrego a minha alma.
Baixa a Espada
Hoje baixei a espada.
Tive demasiadas décadas
Com ela erguida.
O braço já dói, sabes?
Lutar contra o mundo
Ser inimigo do universo…
Parece um cliché, não é?
Pisar os corpos
De quem outrora fui,
Diria demónios
Se não fossem apenas
O meu reflexo já semi
Decomposto e inchado
Enquando limpo o pouco
Mas grosso sangue
Do meu último ego.
Não sei quem fui, na verdade.
Há demasiadas caras
Tudo com a mesma feição,
É difícil de distinguir
O novo do velho…
Cansativo até para o cérebro
Ter de ver cada cara
A olhar-me para a nova alma.
Espada minha, repousa hoje
Por cima do monte que escalei.
Hoje me liberto da guerra.
Hoje olho ao espelho.