Texto de Sara Madruga da Costa. Revisão de Tomás Vicente Ferreira e João N. S. Almeida.
Todos os dias tenho o privilégio de trabalhar num sítio muito especial – a casa da democracia.
Quis o destino que fosse eleita como deputada à Assembleia da República e representante da Região Autónoma da Madeira, uma região dotada de autonomia política e administrativa, dotada de órgãos de governo próprio, graças à revolução de Abril.
Todos os dias percorro os corredores e os espaços que transpiram história e que nos transportam para o momento em que tudo começou.
São 09h45; o deputado António Arnaut, inicia a leitura do texto da Constituição. A mesa do plenário da Assembleia da República lamenta que não haja ainda exemplares disponíveis para a distribuição por todos os parlamentares. Estamos na sessão n.º 131 do dia 02 de abril de 1976.
Dez meses depois, após 132 sessões plenárias e 327 sessões das 13 comissões especiais, chega o tão aguardado dia da aprovação da nova Constituição da República Portuguesa. O presidente interino da Assembleia Constituinte, Henrique de Barros, profere o seguinte: “a História, juiz implacável, dirá um dia se fomos ou não capazes de desempenhar cabalmente a missão que o eleitorado nos atribuiu nessa grande e inesquecível jornada que foi o 25 de Abril de 1974.”
Quarenta e cinco anos passados, no mesmo hemiciclo, tenho a missão de continuar o legado dos deputados constituintes e de honrar a memória de todos os protagonistas eleitos nas primeiras eleições livres e democráticas de 1975.

Celebrar “abril” é celebrar a nossa Constituição, mas é também celebrar a conquista da nossa autonomia — uma das mais bem-sucedidas experiências de todo este processo revolucionário, que mudou para sempre a vida dos madeirenses e dos açorianos.
No mês em que celebramos “Abril”, presto por isso a minha sincera homenagem a cada um dos duzentos e cinquenta deputados constituintes.
Duzentos e cinquenta homens e mulheres, norteados pela expectativa de uma melhor conjuntura política, económica e social e para sempre associados a um dos grandes feitos da democracia portuguesa – a aprovação da Lei Fundamental.
Seguramente a Constituição, mesmo depois das suas sete revisões, ainda não se encontra totalmente adequada à vontade dos portugueses, mas não nos podemos esquecer que, se por um lado a culpa da crise pandémica que vivemos não é da Constituição, por outro esta tem de estar apta a enfrentar os novos desafios que a sociedade coloca.
O reforço da transparência, o combate à corrupção, a redução do número de deputados, o reforço do estatuto de independência das entidades reguladores da economia, a composição do Tribunal Constitucional, a regionalização, o aprofundamento das autonomias regionais, a extinção do cargo de representante da República, são alguns dos aspetos que carecem de uma reflexão atual.
Incumbe-nos a todos, como filhos de Abril e da autonomia que Abril nos deu, contribuir para uma sociedade mais justa e com maiores oportunidades, continuar a jornada iniciada pela revolução há quarenta e sete anos, acreditar na capacidade e no engenho dos novos legisladores na superação dos novos desafios e esperar que a História nos avalie da mesma forma como os julgou.