Curadoria de João N. S. Almeida. Cartaz de Bernardo André.
Para fechar este ano lectivo em grande, organizamos dois debates públicos, abertos a todos, sobre duas áreas centrais da vida intelectual e prática de toda a gente: o sexo e a política. Há quem prefira o sexo depois da política, é certo, mas resolvemos começar pelo primeiro tópico e deixar a política para depois. O primeiro destes eventos terá lugar a 24 de Maio, segunda-feira, às 14:00, durando toda a tarde: e ambos serão antecedidos, tal como no recente debate sobre liberdade de expressão, por uma série de partilhas nas redes sociais de vários casos específicos que nos levarão a pensar nos limites de cada uma dessas áreas da vida humana. No final desse período, passaremos para o debate aberto a todos onde falaremos sobre esses pontos e muitos mais.
Esta primeira semana e meia de partilhas, dedicada à sexualidade, versará sobre representações exóticas de formas de sexualidade que desafiem as nossas percepções, sendo constituída assim por conteúdos problemáticos, abertos a discussão, relacionados com práticas e identidades sexuais, sobre os seguintes pontos, entre outros: liberdade sexual, limites da liberdade sexual, relação entre sexo e identidade pessoal, questões transgénero, áreas cinzentas da prática ou da identidade sexual, etc. Tentaremos contrariar a ideia de que de que cada um dos extremos da vivência sexual – absoluta repressão ou absoluta libertinagem – representam algum tipo de verdade absoluta. Quase todas as culturas encaram a sexualidade humana como um assunto simultaneamente totémico e tabu — para adaptarmos um título de uma obra de Sigmund Freud — e essas conotações opostas, mas tão transversais, deverão ser encaradas como naturais e provavelmente necessárias para uma discussão ampla sobre o assunto.
É nossa intenção abordar o assunto com uma profundidade superior àquela correntemente encontrada no discurso público e nas redes sociais, pautada por leviandade politica-moralista em favor de um extremo ou do outro. Deixemos assim claro o que é fundamental para a nossa abordagem anti-política: a diferença entre alguns destes pontos serem políticos ou não — ou entre questões gerais sobre sexualidade serem políticas ou não — é a mesma diferença entre pretender impor à vida social da comunidade a aceitação de determinadas práticas sexuais como normais ou não-estranhas, ou simplesmente observar a existência de pessoas que têm determinadas práticas e cogitar livremente sobre o assunto, sem imposição moral: na nossa discussão, e nas premissas que a antecedem, optamos pela segunda atitude e não pretendemos que a observação e reflexão sobre comportamentos particulares na área da sexualidade resultem em qualquer prescrição moral generalista. Sendo assim, eis então alguns dos pontos que queremos abordar:
The Politics of Bad Sex: um livro lançado recentemente (wook.pt/ebook/tomorrow-sex-will-be-good-again-katherine-angel/24625301) com o argumento de que as áreas cinzentas no consentimento/não-consentimento no que toca a questões de sedução e sexo são vastas e não cabem numa dicotomia clara: nomeadamente, nem sempre é explícito que saibamos o que queremos, nem é necessariamente natural que o saibamos (newyorker.com/books/under-review/the-politics-of-bad-sex). Como anexo a este tema, sugerimos um artigo sobre como a difusão explícita do sexo nos meios de comunicação encobre o que é na verdade uma sociedade com uma atitude negativa face ao tema (quillette.com/2021/05/13/the-sex-negative-society/).
Traçamos também um paralelo entre Sasha Grey e Skyler Sorensen, duas pessoas absolutamente díspares. A primeira embarcou na carreira pornográfica por uma motivação artística e intelectual, semelhante à de um artista de performance, e o segundo escolheu o casamento não como concretização de um impulso carnal mas como prolongamento de uma ligação espiritual, que, aliás, contrariava os seus impulsos físicos. Ambos foram parar a ligações físicas por razões fundamentalmente não físicas. Apresentamos algumas entrevistas com a ex-actriz (slutever.com/going-deep-with-sasha-grey/, esquire.com/lifestyle/sex/a51462/sasha-grey-porn-career-interview/, journal-frankfurt.de/journal_news/Kultur-9/Sasha-Grey-I-myself-dont-believe-in-feminism-14134.html) e alguns artigos sobre Sorensen, um mórmon e gay que decidiu casar-se com uma mulher (dailymail.co.uk/femail/article-8619759/Gay-Mormon-man-married-woman-insists-sexuality-isnt-big-problem-relationship.html e pinknews.co.uk/2020/08/12/gay-mormon-straight-marriage-mixed-orientation-utah-lds-church-brigham-young-university/), assim como tweets com a barragem de insultos a que este foi sujeito devido à sua posição, que convidamos todos a espreitarem: aparentemente, para certas pessoas que se julgam defensoras da liberdade sexual existem maneiras correctas e maneiras incorrectas de se ser homossexual (mobile.twitter.com/theepicdept/status/1265512869803761664 e twitter.com/_skyler_austin_/status/1264975666778275841).
Lembramos Holly Woodlawn, o travesti retratado na canção “Take a Walk on the Wild Side”, de Lou Reed, que quando questionada numa entrevista, com Geraldo Rivera, sobre a sua identidade sexual, respondeu: Oh darling, who cares, as long as one looks fabulous! Entre outras citações lendárias (como quando, respondendo à pergunta do you feel trapped in a man’s body?, dizia: I’m just trapped! And that’s it!, ou quando explicava que tinha sentido de forma definitiva o impulso do travestismo quando viu Cléopatra, de 1963, com Elizabeth Taylor, explicando aliás que se os homens demonstrassem aquele deslumbre voltaria a virar-se para a expressão masculina), Holly revelava, assim, uma primazia daquilo a que na era moderna podemos chamar a existência estética, secundarizando a preocupação com a identidade psicológica/cívica (está tudo em mobile.geraldo.com/page/good-night-america-30); adicionalmente, um exemplo português de travestismo, Deborah Crystal, rezando um provérbio aparentemente típico da classe profissional: de homem não passamos e a mulher nunca chegamos, e por isso tudo isto tem de ser uma fantasia (m.facebook.com/FinalmenteClub/videos/2310510209081696/).
John Cena, conhecido lutador de wrestling americano, confessando no programa de Howard Stern que teve sexo com uma mulher muitíssimo obesa, e que foi, nas palavras do próprio, espectacular: com visível entusiasmo elogioso descreveu a experiência como a do desfrute de “a lot of woman!” (youtu.be/6IZbvfyfp-o), uma postura não tanto corajosa mas somente enormemente positiva quanto à obesidade no corpo da mulher, contrariando uma série de tendências da moda e de pressões sociais que causam aflições a tanta gente.
Os regimes mistos do casamento: a partir da legalização contemporânea, nas sociedades ocidentais, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, qual então o argumento social jurídico para não legitimar também a poligamia e o casamento consanguíneo? Quanto ao primeiro caso, as possíveis objecções não parecem fazer civicamente sentido, dado que o argumento da livre-escolha tanto se aplicaria a casais como a colectivos de pessoas, embora em termos de lógica fiscal provavelmente muito se perderia; mas quanto a este segundo caso, e acautelando já alguns argumentos evidentes contra, chamamos a tenção para o facto de que consanguinidade não é absolutamente incompatível com civilização; existia previamente no Antigo Egipto (blogs.ucl.ac.uk/researchers-in-museums/2018/08/16/consanguinity-and-incest-in-ancient-egypt-2/comment-page-1/), de modo hardcore, e alguma nos impérios britânico e russo), e, por outro lado, o argumento de que misturas genéticas de pessoas demasiado próximas pode resultar em malformações do feto e em problemas de saúde crónicos a médio e longo prazo não é suficiente, já que os mesmos casos podem ocorrer em quaisquer outras pessoas — ou seja, os seus códigos genéticos podem encerrar exactamente o mesmo risco — e ninguém exige que se façam testes prévios à consumação das relações.
A castidade como forma de expressão e experiência sexual. Se podemos ver o ateísmo como castidade do músculo teológico, figurativamente falando, do mesmo modo podemos ver a castidade sexual como o não-exercício do músculo sexual. Mas ambas, de um certo ponto de vista, são ainda práticas: e se consideradas assim, são práticas muito intensas, em que a satisfação do impulso – universalmente existente em todas as criaturas vivas – é redireccionada em absoluto para outras vias, muitas delas formas de monasticismo religioso.
Os antigos — e ainda, nalgumas sociedades, contemporâneos — casamentos combinados e o seu contraste com o amor romântico a que estamos habituados: apresentamos uma referência a uma conversa entre os comediantes Jerry Seinfeld e Azis Ansari (youtube.com/watch?v=a5kqPj59cn0) onde este último refere que a ideia de um casamento combinado dar certo é na letra tão absurda como a ideia romântica de encontrarmos a nossa alma gémea que vai ficar connosco para a vida toda. A questão parece ser interessante particularmente no prisma de distinguir quais os factores que são pre-determinados ou preconceituosos, social ou deterministicamente falando, num sentido pejorativo, e aqueles que dependem da agência ou da determinação, aqui já benigna de acordo com uma ideia de destino e de consumação.
Terapia psicológica de conversão sexual vs intervenção médica de mudança de género: contemporaneamente, uma é considerada má e a outra boa, não sendo claro porquê. A primeira destina-se, na maioria dia casos, a converter homossexualidade em heterosexualidade e a segunda a tornar irremediavelmente ambígua a definição sexual através de tratamentos hormonais e de cirurgia (publico.pt/2016/01/24/sociedade/noticia/quatro-anos-para-construir-um-corpo-com-um-sexo-diferente-daquele-com-que-se-nasceu-1721163). Pugna-se, através da ONU e de algumas forças políticas e governos, pela ilegalização da primeira (observador.pt/2020/07/08/especialista-da-onu-denuncia-que-terapias-de-conversao-lgbt-sao-degradantes-e-proibidas/ e observador.pt/2021/04/05/deputada-cristina-rodrigues-propoe-proibicao-de-terapias-de-reorientacao-sexual/), subtraindo aos cidadãos o seu livre-arbítrio nessa matéria, enquanto que existem, no caso da segunda, tanto pressões para a sua maior liberalização (inclusive de impor forçosamente uma gramática de neo-pronomes, da noite para o dia) e pelo assumir de responsabilidades financeiras pela parte dos estados para esse fim, como também enormes dúvidas quanto ao efeito traumático físico e psicológico que pode ocorrer no caso de um diagnóstico imperfeito, principalmente quando exercido sobre menores de idade. É possível que o que se esteja aqui a passar tenha uma raiz política ligada à utilização desses grupos – homossexuais e transgenders – para fins políticos terceiros.
A prática do sado-masoquismo e o implícito desejo de dominar e de ser-se dominado sob uma perspectiva marxista (enquanto leitura deflacionante e decepcionante de Hegel). Na teoria política do primeiro — que acaba por ser uma teoria do ser humano — conceitos como alienação e exploração têm frequentemente associados uma conotação negativa, advinda do moralismo cristão do autor; como compatibilizar a prática livre e em pleno desfruto de exercícios sexuais complexos como os citados (concretamente: bondage, ropeplay, etc) com a leitura de Marx do ser humano? Poderá Freud ser um melhor esclarecedor destas questões? Sugerimos um artigo que complexifica a questão, apontando para Gilles Deleuze (tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09697250903407492).
Um caso anedótico: Cicciolina no parlamento português. Em 1987, a actriz pornográfica italiana Cicciolina, na altura deputada no parlamento do seu país, veio de visita ao Parlamento Português, tendo sido recebida pela poetisa Natália Correia, também parlamentar nessa época. A actriz foi levada às galerias que se debruçam sobre a assembleia e resolveu mostrar os seios, um gesto que era sua imagem de marca, levando à interrupção da sessão. (arquivos.rtp.pt/conteudos/cicciolina-na-assembleia-da-republica/ e https://www.dailymotion.com/video/x6b1o99).
A comparação por vezes muito justa e por vezes muito injusta entre mulheres e homens quanto às maneiras de vestir. Corpos que são diferentes têm expressões diferentes; mas tanto as limitações impostas, no caso das mulheres, à exposição pública do seu corpo são mais severas do que nos homens, como também aquelas são mais alvo de atenção desejada ou indesejada de terceiros, estando por determinar exactamente as razões porque isso acontece. Apresentamos uma imagem do mundo da moda onde imaginamos como seria se o homem se vestisse como a mulher.

O caso, hoje infelizmente em desuso, pelo menos em termos de exposição pública, de homossexuais anti-colectivistas: indivíduos que não concebam que a sua vivência de homossexualidade os enquadre necessariamente num colectivo de pessoas que tenham essa mesma vivência, ou que até mesmo não reconheçam que a prática de actos homossexuais caracterize uma identidade pessoal como homossexual. Lembramos, a esse propósito, uma passagem de uma entrevista com o escritor Gore Vidal: archive.org/details/gorevidalsexuall00vida/page/254/mode/2up
Por último, a palavra de uma mulher forte, uma poetisa, uma persona poética dramática e masoquista, Sylvia Plath, colocando num poema, preto no branco, o desejo feminino pela rudeza e imperatividade masculinas, descrito de uma forma complexa e contraditória que convoca a figura do pai: poetryfoundation.org/poems/48999/daddy-56d22aafa45b2.

É para debatermos todos estes pontos e muitos mais (sintam-se, aliás, à vontade para nos sugerir outros em osfazedores@gmail.com) que estaremos presentes no debate de dia 24, às 14:00, com muito tempo para discussão. É um prazer enorme organizarmos estes fóruns onde estes assuntos podem ser debatidos livremente, sem prescrições moralistas — certas ou erradas — quanto às posições a tomar à partida, de modo a que em discussão saibamos acrescentar matéria para o livre pensamento de cada um. Deixamo-vos aqui o link de Zoom e convidamos todos que o desejem a estarem presentes. Uma boa semana para todos!
Tópico: Debate sobre Práticas e Identidades Sexuais
Hora: 24 mai. 2021 02:00 da tarde Lisboa
https://zoom.us/j/94714761021?pwd=bzJ2bkVqQnBlWFVKWk40QzYxaWxPQT09
ID da reunião: 947 1476 1021
Senha de acesso: 2xCJqB