Texto de Ana Sofia Souto. imagem: quadro de Ana Carolina Rodrigues: https://www.anacarolinarodrigues.co.uk.
Son femeninos los símbolos de la revolución francesa, mujeres de mármol o bronce, poderosas tetas desnudas, gorros frigios, banderas al viento.
Pero la revolución proclamó la Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano, y cuando la militante revolucionaria Olympia de Gouges propuso la Declaración de los Derechos de la Mujer y la Ciudadana, marchó presa, el Tribunal Revolucionario la sentenció y la guillotina le cortó la cabeza.
Al pie del cadalso, Olympia preguntó:
-Si las mujeres estamos capacitadas para subir a la guillotina, ¿por qué no podemos subir a las tribunas públicas?
No podían. No podían hablar, no podían votar. La Convención, el Parlamento Revolucionario, había clausurado todas las asociaciones políticas femeninas y había prohibido que las mujeres discutieran con los hombres en pie de igualdad.
Las compañeras de la lucha de Olympia de Gouges fueron encerradas en el manicomio. Y poco después de su ejecución, fue el turno de Manon Roland. Manon era la esposa del ministro del Interior, pero ni eso la salvó. La condenaron por “su antinatural tendencia a la actividad política”. Ella había traicionado su naturaleza femenina, hecha para cuidar el hogar y parir hijos valientes, y había cometido la mortal insolencia de meter la nariz en los masculinos asuntos de estado.
Y la guillotina volvió a caer.
Eduardo Galeano, Mujeres, Buenos Aires, Siglo XXI, 2015, págs. 161-162
Está por contar a história daquelas que fizeram a História mover-se e ampliar-se – as mulheres que alimentaram e cuidaram das crianças que se haveriam de tornar reis e depois decidir sobre os destinos das mães dos outros; as que fizeram de tudo para limpar e polir os palácios para os reis poderem receber outros reis e estreitar as relações entre países; as que salvaram vidas, quantas vezes à custa de si próprias; as que trabalham para servir o outro, muitas vezes prescindindo das suas próprias necessidades e desejos. As que não ficaram na História, mas, apesar de tudo, criaram história(s) – nas suas casas, com as suas famílias, na sua comunidade, no anonimato dos seus lavores diários… Aquelas que a História oficial muitas vezes despreza, apesar de serem as verdadeiras bases que a constroem, as verdadeiras fundações que a sustêm.
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As mulheres vêm ao mundo, fazem o que têm a fazer – SERVIR – e vão-se tão misteriosamente como vêm. Não obstante, sem elas nada existiria e o mundo não duraria dois dias.
A palavra “história” é feminina. Ironicamente, esta não tem sido boa para as mulheres, não as tem sabido representar. As mulheres raramente ficam na História. A História é MASCULINA. A memória é MASCULINA. Apesar disso, são também as mulheres que fazem a História mover-se e ampliar-se:
1. As mulheres que alimentam e cuidam dos meninos que depois se tornam reis e chefes de Estado;
2. As que fazem de tudo para limpar e polir;
3. As que cozinham diariamente, com esforço, e cujos maridos atiram furiosos a comida para o chão por falta de sal ou de outro tempero;
4. As que dão à luz, morrendo no parto;
5. Aquelas a quem cortam o clítoris para que não possam sentir prazer, apesar de serem obrigadas a dar prazer, sem conseguir respirar, de vias respiratórias fechadas pelo vómito que as acomete e que silenciam;
6. As que não têm acesso a pensos ou tampões, e desconhecem a menstruação até verem o sangue a sair dentre as suas pernas;
7. As que não sabem sequer ter direitos pois só conhecem deveres e tarefas;
8. As que não podem mostrar os cabelos, a cara, o sorriso, as pernas;
9. As que não podem escolher o que vestir, com quem casar, que música ouvir, que nome dar aos filhos, como chamar-se a si próprias, e não sabem sequer que podem pensar num ‘eu’, num ‘sou’;
10. As que, desempenhando igual profissão, no mesmo local, com as mesmas horas, veem ainda chegar menos dinheiro;
11. As que são confundidas com assistentes ou secretárias, apesar de os assistentes ou secretários serem eles;
12. As que não podem engravidar sob risco de perder o emprego e são obrigadas a assinar contratos a dizer que se comprometem a não engravidar por x tempo;
13. As que leem jornais e veem que os diretores e donos desses jornais são homens, e que os que governam o seu país são homens, e as mulheres estão lá para preencher quotas ou por piedade, ou, pior ainda, novamente, para SERVIR.
14. Hoje em dia, um homem, se tiver muitas mulheres, é um herói, um Dom Juan; e, uma mulher, se sair do seu caminho (de acordo com alguns) uma vez que seja, não passa de uma ****, uma que serve para qualquer um.
Percorremos um longo caminho, é verdade. Em muitos países do mundo agora já podemos
votar
trabalhar
conduzir
estudar
sair do país sem necessidade de autorização paterna
…
Mas ainda há muito caminho a percorrer!
Temos de caminhar ainda muitos quilómetros para podermos ser verdadeiramente quem somos e não um fingimento ou uma pretensão de ser o que não somos.
Para podermos caminhar de cabeça erguida, sem medo, seja onde for; para podermos dizer, com segurança, eu estou aqui e eu tenho VOZ.
Esta tem de ser uma luta coletiva pois a humanidade inteira estará prisioneira enquanto uma só mulher, qualquer mulher, de qualquer cultura, idade ou país não poder ser verdadeiramente quem deseja ser.
*
Gostaria de ter nascido durante o Renascimento, no coração de Itália, o berço da Arte e da Poesia.
Lá, onde as ideias ganhavam vida; a cultura era apreciada e estimada; e os artistas discutiam alegremente uns com os outros. Ao mesmo tempo, porém, não gostaria de ser homem. Gosto de ser mulher e, para poder triunfar naquela época, não poderia ser eu. Teria de ter nascido homem. Se tivesse nascido mulher, não poderia sequer pensar em ser artista; em sair para o espaço público; e deveria viver escondida em casa, esquecida, qual estátua a um canto posta – mesmo se tivesse algo a dizer, algo a mostrar ou a expressar – constantemente sorridente, uma vez vista e cem vezes ignorada.
Hoje, como mulher europeia do século XXI, posso olhar para trás, para o Renascimento, e ver o quanto o papel da mulher se modificou neste continente. Hoje, podemos ser artistas; podemos sair para a rua; e, mesmo dentro de casa, já não estamos escondidas, meros objetos passíveis de serem observados. Ganhámos o poder da observação. Ainda assim, temos de encarar os desafios do dia a dia com o dobro do esforço. Começamos sempre atrás da linha oficial da partida, que está ainda reservada aos homens. E verificamos como ainda se comemora o “Dia da Mulher” (por que será – todos os outros dias estão reservados aos homens!? Só neste dia se pensa em nós!?); como ainda se fala da desigualdade salarial entre homens e mulheres; e como ainda somos punidas pelo simples facto de serem as mulheres aquelas que portam, no seu ventre, o futuro. Em vez de sermos valorizadas por isso mesmo, eis que nos cortam as asas e nos fazem sentir culpadas da nossa condição natural de mães da humanidade por vir.
Como nasci mulher, e gosto de o ser, a melhor época em que posso imaginar viver é a minha. Já atingimos muitas coisas, mas ainda temos muito por que lutar. Isto é poderoso – podemos construir o poder futuro, aquele que ditará o dia de amanhã – e não apenas ser beneficiárias desse poder que virá, mas emissárias das ideias que o possibilitarão.
Ajudadas pelas energias das nossas antepassadas – mães, irmãs, primas, avós… – desdobradas em inúmeras funções – cuidadoras, enfermeiras, psicólogas, cozinheiras, empregadas de limpeza, professoras, explicadoras, advogadas – para as quais forçosamente tiveram de pender, quisessem ou não, continuamos a andar em frente em direção a um futuro que será tanto mais forte quanto mais unidas estivermos na nossa condição de mulheres guerreiras.