A Evolução da figura da princesa na ficção da Disney, Cláudia Marques

Texto de Cláudia Marques. Revisão de Luís Rodrigues e Lourenço Duarte. Imagens: colagens de autoria de Cláudia Marques.

De forma a celebrar o Dia da Mulher, apresento 3 colagens alusivas à evolução das Princesas Disney, ilustrando as suas transições, rupturas e transformações associadas ao papel feminino ao longo de diferentes fases da história social, cultural e da própria história da Disney. Cada princesa é apresentada com diversas imagens correspondentes à narrativa do seu filme, à sua vida, aos seus interesses, características de personalidade e objectos simbólicos relevantes na trama, que ditam o destino de cada uma das princesas.

O universo temático da Disney, profusamente conhecido pelas princesas que são, sem dúvida, das personagens mais acarinhadas pelo público que acompanha estes filmes – dos mais pequenos aos mais graúdos -, é marcado por inúmeras narrativas e personagens ao longo da sua história, tocando diversas gerações no decorrer dos tempos.
Estas personagens representam, em grande medida, o retrato da mulher e a condição feminina nos tempos e épocas correspondentes a cada princesa criada.

A primeira colagem retrata a primeira fase das princesas, uma era em que as princesas dos primeiros clássicos da Disney (década de 30/50) são caracterizadas como mulheres passivas, tendo como único desejo e propósito o encontro com o seu príncipe, o seu verdadeiro amor – a sua única garantia de felicidade e realização pessoal.

A princesa Branca de Neve, personagem do filme da década de 30, é uma personagem ingénua, pura, doce, gentil, submissa à sua madrasta (a rainha) e “dona do lar”, ocupando o tempo com as lidas domésticas, representando a mulher da época aquando da realização do filme. Esta acaba por encontrar o seu príncipe através da maçã envenenada oferecida pela rainha malvada disfarçada, que dita o seu destino: adormecer numa morte aparente e ser despertada pelo beijo do verdadeiro amor.

Paralelamente, a princesa seguinte, Cinderela, personagem do filme da década de 50, é uma personagem idêntica à de Branca de Neve: pura, doce, gentil, sonhadora, mas mais uma vez submissa à sua malvada madrasta e às meias irmãs, ocupando o tempo da mesma forma, através das práticas domésticas do lar. O certo é que, tal como a Branca de Neve, Cinderela acaba por encontrar o seu príncipe através do sapatinho de cristal perdido no baile.

Por último, a princesa Aurora do filme, “A Bela Adormecida”, personagem da longa metragem da década de 50 que, tal como as princesas anteriores, é caracterizada da mesma forma. Mais uma vez, encontra o seu príncipe de forma semelhante às restantes princesas, através de um objecto, neste caso, o fuso do Mal da feiticeira Maléfica, que a destina a um sono profundo, ao picar o dedo, sendo apenas despertada pelo beijo do verdadeiro amor.

A segunda colagem retrata a segunda fase da evolução das princesas Disney (década de 90), em que existe uma transição e transformação da princesa passiva para uma activa que “comanda” a sua própria vida, independentemente da vinda do seu príncipe, sendo ela detentora dos seus próprios interesses, convicções, desejos e aspirações.

Bela do filme, “A Bela e o Monstro”, é a primeira princesa desta nova fase. Uma jovem inteligente, sonhadora, ambiciosa, destemida, corajosa, não deixando, ainda assim, de ser romântica. Bela sente-se uma estranha na sua própria terra e comunidade, uma desajustada, não se identificando no lugar onde cresceu e onde vive. A sua paixão são os livros e o seu maior desejo é sair da pequena aldeia onde habita e explorar o mundo. Mostra coragem ao enfrentar o monstro, sacrificando-se pelo seu pai e tornando-se prisioneira do monstro no lugar dele.

Ao longo da trama, a Bela e o Monstro apaixonam-se e aprendem um com o outro. Bela revela ao monstro o amor aos livros, pela constante busca pelo conhecimento ajudando-o a apreciar a vida e a ser mais gentil com o próximo.

Em duas cenas distintas, o monstro salva a Bela, e, por sua vez, numa outra cena, a Bela salva o monstro, revelando a interacção entre ambos e intervenção activa das duas personagens. O amor dos dois é caracterizado pelo companheirismo e igualdade.

Posteriormente, é retratada Pocahontas, uma princesa indígena que representa o amor pela natureza, a representatividade racial, étnica e cultural e a igualdade e o respeito por diferentes realidades culturais. É uma das princesas da Disney mais marcantes por todo o seu simbolismo e representação ideológica, identitária e social.

Pocahontas é uma jovem curiosa, aventureira, corajosa, generosa, leal, valorosa e íntegra. O seu amor com um homem branco, o capitão John Smith, retrata uma relação interracial. Por esse amor, ela chega mesmo a enfrentar o seu pai, chefe da tribo e comunidade, colocando-se em frente a John Smith, quando este está prestes a morrer às mãos do chefe indígena. Pocahontas mostra a John Smith a beleza da natureza, da sua cultura e a importância de aceitar o outro e as diferenças entre indivíduos e seres, “vivendo todos ligados uns aos outros, num ciclo sem fim”.

No fim da história, a força, os valores, ideais e carácter sábio de Pocahontas acabam por juntar duas culturas de forma pacífica, reconciliando relações, unificando os colonos e os indígenas, tanto que o objecto simbólico desta princesa é a sua bússola, que “revela” e representa o seu caminho e escolhas, o que o seu íntimo deseja e anseia: união na diferença.

Por sua vez, Mulan é a última princesa desta segunda fase. Mulan é chinesa, representando igualmente uma outra cultura e etnia. Destemida, corajosa, teimosa, confiante, dignificadora e honrosa, faz tudo pela sua família e pelos seus. Enfrenta a temerosa guerra pelo seu pai, ancião e doente, sacrificando-se ao tomar o lugar deste na guerra da China contra os Hunos.

Acaba por vencer a guerra e salvar a China através da sua força e bravura, tão grande, como a de qualquer um dos seus companheiros homens. No fim, encontra o seu amor ao lado do capitão, Li Shang. O objecto simbólico é a espada do inimigo, Shan Yu, líder dos Hunos, que traz consigo no final do filme, representando a vitória de Mulan na guerra da China.

A terceira colagem retrata a última e mais recente fase da evolução das princesas Disney (década de 2000), em que o príncipe poderá fazer parte ou mesmo ser excluído da vida da princesa, sendo a mesma “dona” do seu próprio destino e das respectivas escolhas.
Primeiramente, é retratada a Princesa Tiana do filme, “A Princesa e o Sapo”. Mais uma vez, a importante problemática da representatividade racial e cultural é apresentada. Tiana é uma jovem negra, nascida e criada no seio de uma família da classe operária de New Orleans dos anos 20, uma cidade onde se respira a cultura musical em torno do jazz, as típicas festividades do carnaval, “Mardi Gras”, e as subculturas e antigas religiões alternativas, como o “vodu”.

Tiana é uma jovem batalhadora, determinada e trabalhadora, uma sonhadora com os pés bem assentes na terra, cujo esforço a recompensará a alcançar o seu maior sonho, aspiração e objectivo, abrir o seu próprio restaurante como chef de cozinha, sonho de infância partilhado com os seus pais e “cultivado”, sobretudo, através do amor do pai pela cozinha. A relação amorosa entre Tiana e a personagem do príncipe Naveen é uma relação de amor e ódio. As personalidades são o exacto oposto. Tiana é séria, realista, matura e vive para o trabalho. Por outro lado, Naveen é alegre, preguiçoso, mimado, brincalhão, galanteador, mulherengo e vive para a “boa vida”, uma vida boémia repleta de procrastinação e festa constante.

Apesar de tudo, as personalidades divergentes acabam por se complementar, pois ambas aprendem uma com a outra, através das suas qualidades e defeitos. Naveen aprende com Tiana a ganhar responsabilidades, a amadurecer e a aprender as dificuldades de uma vida sem privilégios, acabando por dar importância ao trabalho e esforço do quotidiano, e, por sua vez, Tiana aprende com Naveen a desfrutar os pequenos prazeres da vida, a não se levar tão a sério, a divertir-se e a aproveitar os momentos que a vida lhe oferece.

No final da história, o sonho de Tiana concretiza-se, e a princesa abre o seu restaurante, tornando-se parceira de negócios com Naveen. Tiana torna-se proprietária e chef do restaurante e Naveen torna-se no músico de jazz residente.

O amor entre os dois é caracterizado por uma constante aprendizagem mútua, apoio, companheirismo e partilha. O objecto simbólico de Tiana é a panela do seu pai, símbolo alusivo ao amor pela cozinha partilhado com o mesmo e um poster que ilustra um restaurante, materializando o seu grande sonho de ter o seu próprio restaurante.

As últimas princesas retratadas são as irmãs Elsa e Anna do filme, “Frozen”. Neste filme, o amor fraternal entre duas irmãs e a força e independência feminina são o âmago da história.

A irmã mais velha, Elsa, detentora do grande poder de criar neve e gelo, é exilada do palácio e do reino e separada da sua família e da sua irmã mais nova devido ao perigo do descontrole do seu poder e grandes proporções de prejuízos e perigos que o mesmo poderia causar. Posteriormente, Anna parte numa viagem e aventura pelo reino congelado de Arendelle com o propósito de encontrar a sua irmã.

No final da trama, um beijo de verdadeiro amor seria a profecia para quebrar um feitiço perpetuado acidentalmente por Elsa, porém o verdadeiro amor é o sacrifício que a sua irmã presta. Anna enfrenta a morte por Elsa, ao deparar-se com o príncipe traidor que pretendia conquistar o trono de Arendelle, Hans, numa tentativa de assassínio, acabando por a salvar. Anna fica congelada e a sua irmã chora por ela, porém, a princesa começa a descongelar, pois o verdadeiro amor, o amor da sua irmã, é a salvação. As duas irmãs terminam juntas, unidas, regressando para junto da família, num reino agora próspero, e Elsa acaba por rejeitar Hans, o príncipe traidor, por quem anteriormente se tinha interessado.

Em conclusão, a evolução das Princesas Disney revela, ao longo dos tempos, cada vez maiores transformações e mudanças do papel da mulher e da sua condição através da criação de cada princesa, das suas características, aspirações e objectivos. O retrato da condição feminina e luta pela igualdade de género é cada vez mais uma premissa no universo das Princesas Disney, acompanhando, obviamente, os tempos presentes e o rumo da história para uma não tão longínqua, mas ainda não alcançada, realidade da igualdade de géneros.