Abraço à questão, Joana rebocho

Textos de Joana Rebocho. Revisão de Lourenço Duarte. Imagens: Banksy.

Recessão

Os bolsos estão rotos.
Não faz mal, não temos moedas.

Carregamos no cesto de verga
A memória de uns quantos juntos,
Que hoje se encontram
Na miséria.

Açordas pela goela,
Não me venham com a caravela!

Gasto-me nas horas furtadas
Por planos furados e comunicados vazios.

A Europa, lá ao longe.
Estendo-lhe os braços
E não a mão.

Convido-a a acolher
A solidariedade
Para lá dos textos
E das moedas.


Elegia à civilização

A solidariedade e a liberdade
São irmãs.

Órfãs de mãe
E de pai.

A quem a instituição que as acolheu
Lhes impôs a separação,
Através de uma cortina
turva e impermeável.

A solidariedade e a liberdade
Nunca chegaram a crescer.

Morreram à sede
E com uma luz deturpada.

Deplorável o incidente.

A chuva recusou molhar a partir desse dia.
O sol aliou-se à lua num fim de tarde interminável.

Incontemplável e hediondo,
O cenário da savana.

Onde nem zebras, nem leões,
Nem girafas, nem tchiluandas
Puderam despedir-se em digna evidência.

Alimentaram-se os abutres
Do cadáver da civilização.