Textos de Guilherme Berjano Valente.
I
Ode ao Artista
I believe it is the artist’s responsibility to lead people into hell, but I also believe it’s important to lead the way out.
Dante leva-nos por nove círculos de dor e sofrimento, seguidos de nove de ambição, e fechados por nove de paraíso. Dante termina a sua grande obra em Deus, quando está à sua frente, pois não consegue passar para palavras o sucedido.
Nós, que escrevemos, que fotografamos, que pintamos, que ambicionamos mostrar a todos o que é cego aos olhos, somos um.
O que escrevo aqui é um obrigado a todos os que se chamam de artistas e fazem por sê-lo. Não é uma questão de talento, mas sim de vontade. Horas fechadas em quartos, parados a tentar algo, criar algo. Este é o mundo dos que inventam mundos. A isolação por querer e não por obrigação.
Amamos mais do que os outros, e isso é inquestionável. Têm de entender que também vemos mais do que os outros, assustamos-nos mais do que os outros, tanta coisa mais do que os outros. Reclamam por sermos assim, só que não compreendem. Apenas, tentem ser, também, assim. Talvez não se arrependam. Talvez sempre o queiram ter sido, mas algo vos impedia, quem sabe. Caso se arrependam, nunca mais repitam, mas agora: Fechem a porta do quarto; vejam a vossa pessoa amada; agora sintam saudades dela, pois amor que é amor, tem sempre saudades; custa, é verdade, mas amor que é amor não haveria de ser pago a baixo preço. É preciso vivê-lo a todo o momento, ou então, quase que não conta. É no amor que está a fundação de tudo. Façam o que vos vier à mente e aprimorem-no; aprimorem-no até ao limite, pois têm de ser vós os vossos maiores críticos. Se calhar já está feito. Mostrem-no ao mundo, incertos e com medo, pois sem isto, não melhorarão. Receiem, acanhem-se, contraiam-se; zanguem-se com quem não gosta do vosso trabalho, na mesma que saibam que tem razão; terão muito tempo para pedir desculpa depois; aqueles que vos querem esperarão o lamento. Façam melhor.
Artista, és quem sente esta constante de sentimentos, que racionalizas o teu ser em prol dos outros e que quando voltas a este mundo, muito menos lógico do que o outro, obrigatoriamente, sentirás muito mais do que no outro e do que os outros.
Obrigado, não pelo sacrifício, que sei que desses nenhum fazes, mas pelo prazer que demonstras ao praticar o teu propósito.
II
Ode ao Ser
Sê o que sentes que deves ser. Tudo o que sentes é, verdadeiramente, tudo o que queres.
Sê aquilo que só tu pensas ser. Nunca o que os outros pensam que sejas.
Não sejas algo que te desconforta, que te atrofia e repele. Não sejas o que todos querem ser, a não ser que seja isso que queiras ser. Contudo, duvido que assim sejas; que ambiciones imitar alguém a teu lado. Talvez te inspirem, os outros, mas de inspiração a imitação, existe um foço quase infindável. Todos temos algo de singular, e é isso de que nos gabamos. Se assim o é, se é a nossa singularidade que nos enche de orgulho, porque tentamos ir atrás do que nos encaixa na sociedade, como se fôssemos uma peça de um puzzle, parecida com tantas outras.
Copia o que os outros dizem, canta o que os outros cantam, dança como os outros dançam. Quando copias, afirma que é de outros, quando cantas, afirma que é de outros, quando danças, faz o mesmo. Apenas diz que é teu, quando for teu. Se agora já é teu, percebe o porquê de o ser. Encontra o que foste buscar a outros e separa-o do que é só teu. Delicia-te.
Sê, não perguntes ”Ser ou não ser,” pois essa não é a questão. Apenas sê. Não há verbo tão belo quanto o verbo ser. Nenhum com tantas irregularidades tão perfeitamente talhadas, para que quando exprimidas, soassem à simplicidade da nossa existência.
Bukowski afirma: “Don’t do it”, caso não seja isso que queres. Muitos vêem-se a interpretar erradamente este seu poema. Muitos pensam que fala sobre a inspiração do artista e o seu método criativo. Muitos ignoram o toque pessoal que a poesia confere ao mesmo; este que é transmitido ao leitor. “If it doesn’t come bursting out of you/ in spite of everything, /don’t do it.”
Somos o que somos. Setenta por cento do nosso ADN é hereditário, e trinta por cento é o que temos para alterar. Contudo, não somos nós quem o modificamos, mas o que sentimos, que afirmamos ser intrínseco, contudo, discordo. Penso que seja somente misterioso.
Sê.
III
Vida de Artista
Pois um escritor, um cantor, um músico, um pintor, uma actriz, uma poetisa, um artista, ou uma artista, não falha, enquanto não deixar de praticar a sua arte.
Hoje, alguém a quem tenho muito carinho disse-me: “Sou um artista falhado”, e eu respondi, irracionalmente, que esta vida de artista era difícil. Pois, digo agora que me enganei. Foi uma falácia, esta minha afirmação. Não que a vida de artista seja fácil, visto que está longe de o ser, mas porque, a minha intenção com esta resposta, não foi afirmar tal coisa, mas sim dizer que é normal falhar neste meio. Assim, começo agora por explicar o porquê de ter errado, de forma tão excelente.
Vida de artista é difícil, por nos ignorarem, desconsiderarem a nossa obra, não a tratarem como trabalho (porque, estar sentado ao computador, a tentar arranjar a melhor sequência de palavras, para contar algo, é, indiscutivelmente, um passatempo), não sermos protegidos por ninguém, nem existir um dinheiro que se mostre fixo. Contudo, a vida de artista não é falhada; nenhum artista falha, pode errar, mas falhar, nunca (e aqueles que de mim duvidarem, abram um dicionário e vejam a definição do belo verbo falhar); escrevemos mal, pintamos mal, cantamos mal, fazemos tanta coisa mal, que depois, passa a ser medíocre, até se tornar quase perfeita, aos nossos olhos (é bastante importante lembrar que nenhum artista considera os seus fazeres perfeitos, visto que, para além de ser um excesso de húbris, os olhos deste procuram o aperfeiçoamento do que é seu).
Um artista não falha; um artista decide se quer falhar (não é tão bom, que haja uma quase profissão, onde a pessoa é que decide se sucede ou se falha). Enquanto este fizer aquilo que quer fazer, trabalhar naquilo que quer trabalhar e, acima de tudo isto, sentir aquele calor que queima o corpo por dentro, não cessando enquanto esta sua obra estiver terminada, então dar-lhe-ei os meus parabéns, (não que valham algo, mas o nada, se formos honestos, é, em si mesmo, algo), sabendo que sucedeu, sucede e sucederá, durante o tempo que lhe apeteça.
Cessem agora aqueles que mal falam, que mal ouvem, que mal pensam. Cessem os que, das artes e das humanidades, pouca consideração têm. Calem-se os que não vêem beleza na música composta pela estética, nos livros escritos pela simbologia, e na natureza a pintura. A arte, nada mais é do que a imaginação transformada para a nossa realidade. Os artistas, nada mais são do que os seus transmissores.
IV
Serei um livro
E se, por um simples momento, de plena distracção, parasse. Se, por algo, talvez mais forte do que eu, não quisesse mais. Um dia deixarei um livro por terminar, não por vontade própria, mas por quereres da morte. Não estará no meu colo, espero, pois morrer enquanto leio será improvável, visto que, de morto, a leitura nada tem. Alguém vê-lo-á na estante, pousado, com um marcador, ou um improviso de marcador; abri-lo-á com medo, temendo as últimas palavras que li, por gosto; lágrimas mancharão a folha para sempre, assim espero, não muitas, pois uma chega-me, e com uma contento-me. Decidirá que irá terminá-lo por mim. A cada palavra que lerá, o meu nome manter-se-á no seu palpitante coração, que acelera de cada vez que se recordar, enquanto o lê, de que aquela frase foi-lhe dita por mim, em espanto e maravilha, e nunca mais será. Viverei, assim, naquele livro, que sairá múltiplas vezes da prateleira, para ser lido e relido, citado e anotado, lembrado, comigo, em cada letra.
Serei um livro, que alguém a quem quero mais do que tudo, lê-lo-á, e encontrar-me-á naquelas páginas que nunca cheguei a ler.
Este passará de alguém que amo, para alguém que poderia vir a amar, no entanto, sem nunca o poder afirmar com certeza, referir-me-ei a esta, somente, como alguém. Alguém não me irá encontrar ali, pois como seria isso possível, se já nem aqui estou. Mas alguém sorrirá com frases com que eu sorri, chorará com palavras que eu chorei, e alegrar-se-á com personagens com que me alegrei.
Sou um livro, e quando não o for, não faz mal. Serei um sorriso, talvez um choro, talvez nada, mas espero nunca ser tudo.