Textos de Rúben Salvador. Revisão de Ana Sofia Souto.
Agrada-me o inconformismo,
que posso eu dizer?
tenho vários sonhos.
também quero uma casa só minha
para recordar os mortos e o possível desconhecimento
da terra a quebrar.
ouve: tudo passa e a minha memória há de fraquejar.
hei de ser benévolo quando a faca me atravessar o peito.
A morte? Enfrentá-la-ei,
enquanto escura redoma me envolve;
essa malfadada hora virá
e finalmente poderei conhecer Deus e perguntar
“porque me tiras tu daqui?” eu que sempre me prostrei ante ti
e pensei que os poetas fossem salvos
não pelo que escrevem,
mas sim pelo que contestam.
Agora sou eu quem não se coíbe à destruição e sei que quem tem o poder somos nós:
os mortais que subjugaram a visão ao castigo.
O que sobrou desta casa
é sobretudo silêncio.
de ranger no soalho
está farto o coração
assim vazio alguém amotina
o que não sente
e esconde da parede o que
sabíamos ser a despedida
dos outros objetos.
o ponto ancestral onde
a noite cede
de ser tão irreconhecível
a cicatriz.
Receita para o fim do mundo
para impedir que se chegue
ao outro lado
urge ver explodir a última estrela
o último corpo
a última fera mansa
para que se contradiga a distância
entre o demorado baque da porta
e o silêncio alheio de uma outra extinção
é necessário procurar a chama densa
E, depois, se amaine o fogo
é deixar que o mundo
e os seus crispados corredores
se expandam de forma abrupta
habitá-lo
e só depois deixá-lo
crepitar na miragem
de alguma casa.
Sempre Temos Cesariny
Perdurar, meu amor.
Deixar que dure esta solidão devassa.
Temos o tempo todo do mundo
Para ver os outros partirem, sem que isso
nos doa verdadeiramente
e para perceber que foi Deus a inventar o Whisky.
Fui eu quem mandou erigir Babel – teçam em minha honra aplausos.
Trago várias paixões debaixo da língua prontas a crescer.
Temos casa; janelas que dão para um mundo nosso.
Tenho o cabelo nas mãos e a arte de em mim conceber outros génios irascíveis.
Tenho pó nos dedos e um grito por soltar.
Deixem-me acreditar que a Bíblia salva os fracos,
estes que agem em nome das ruas.
Perduremos. Todas estas coisas deixam de ser nossas: até o nome.
são frémito.
Não havendo tudo isto, ou corações para amar, resta falar com Deus
que dizem estar em todo o lado
e acaso não exista nenhum Deus, fiquemos em silêncio:
Sempre temos Cesariny.