Texto de Catarina Isabel Alhinha. Revisão de João N. S. Almeida. Imagem: O Armário Antropomórfico (Salvador Dali, 1936: https://www.dalipaintings.com/the-anthropomorphic-cabinet.jsp).
A luz luminosa da luminosidade do entardecer enlameava de forma caliginosa o retardado guarda-roupa. Acolchoado de uma forma hexagonal com as plumas criteriosas que se denominam como “minhas míseras vestes”, o desgraciado pedacinho de madeira não jazia numa harmonia completa com as cores que permaneciam no seu sistema vivaz. As destemidas e vincadas fendas deixavam uma sensação de perfuração incómoda (inerente aos que observam o tempo hiperbólico). As quatro gavetas centrais eram melodiosamente utilizadas por mim. Havia uma significância de pó fastio, que fascinava pela sua quantidade, e não me permitia ter coragem de esvoaçar. São perplexidades que eu não sei elucidar. Quando me perguntaram sobre o armário, respondi que era suficientemente agradável para o meu aconchego. Porém, jamais falei por mim quando proferi tais abominações. Não quis entrever os ornamentos azul turquesa que desenhavam os contornos perfeitos das portas do objeto em questão. Queria enxergar o conceito que estava atrás deste objeto. Podia escrever sobre ele, mas só conseguia ruminar um trágico fado para mim. Se eu fosse engolida pelo armário, quem seria o meu salvador? E foi assim que desmemoriaram o meu quarto. Ficou mais leve. O armário ardeu completamente, tal como desejei e sonhei.
Defendi o meu fundamento- narrei o tangível julgamento. A memória de ter concebido uma vela acesa é repudiada Não reverencio velas, prefiro a escuridão. Alguém entrara no quarto? No alto das cinzas procurei uma refutação para os meus pensamentos. Entretanto, levantei o alvoroço da madrugada, porque todos se elevaram em auxílio do armário. Eu não precisei de consolo, nunca estivera melhor. A psicose, que me acarinhara, deixara-me bastante lúcida para reparar no pormenor do incêndio. Ardera somente o guarda-fatos. Não residia nem uma impureza, nem uma erupção no resto da mobília. Inclusive, o tapete reluzia como nunca. É como se o céu só permitisse a queima dos filhos do inferno.