Textos de Marta Gondar. Revisão de João N. S. Almeida.
FotoFobia
os morcegos são cegos, a escuridão da noite levou-os
- Levitação
Adoro o frio dos teus lençóis
E a ardência da tua testa
Em delírios
De vozes
Deixa-te abraçar pelo calor de um corpo
Os cádavares emanam um intenso odor
A solidão
batalha travada na energia de um corpo
vivo.
- Cinzento amarelado
Fumo o cigarro
E a cinza
Vagalume canceroso
Queimou-me a mão
O impulso é mais rápido que a razão
Queimei o quarto…
- Sobre o amor
Se calhar, o amor é correr ao pé-coxinho
Enfiado numa saca de batatas
Sempre fui o último na escola.
- Fogo posto
Dizem que o cabaré ardeu
fogo posto
As beatas no cinzeiro
E as da igreja
Adoraram
O fumo branco
E o papa
Carbonizado
- Morango aberto
Porque é que dizes que és todo meu
Quando sabes que não és
Nem um grão de areia poderia provar isso
O meu morango aberto
Vermelho sangue alegria que faz cócegas
Chora impulsos de sinapses
E pensas
“Será tudo isto uma mentira?”
É próvavel que não passe de uma viagem
Numa nuvem de algodão azeda
Abafada pela erva
Sal da praia
- Em obras
Ser um poema em construção
Não passar do primeiro verso
sem que violentamente rasgues a folha
a amnésia da borracha
adrenalina de espetar o lápis
no muro branco da consciência
- A fragilidade do corpo
JAZ
Rosto gelatinoso
moleza da pele
Sem alma
Voltou para a gaveta dos escolhidos
o corpo
devorado pelos insectos
pequenas baratas passeiam alegremente
naquilo que foi
a parte do corpo que menos gostaste
elas gostam
Nunca podeste ver os vermes que te devoravam
Viva, agora, morta.