FotoFobia, Marta Gondar

Textos de Marta Gondar. Revisão de João N. S. Almeida.

FotoFobia
os morcegos são cegos, a escuridão da noite levou-os

  1. Levitação

    Adoro o frio dos teus lençóis
    E a ardência da tua testa
    Em delírios
    De vozes
    Deixa-te abraçar pelo calor de um corpo
    Os cádavares emanam um intenso odor
    A solidão
    batalha travada na energia de um corpo
    vivo.
     
  2. Cinzento amarelado

    Fumo o cigarro
    E a cinza
    Vagalume canceroso
    Queimou-me a mão
    O impulso é mais rápido que a razão
    Queimei o quarto…
     
  3. Sobre o amor

    Se calhar, o amor é correr ao pé-coxinho
    Enfiado numa saca de batatas
    Sempre fui o último na escola.
     
  4. Fogo posto

    Dizem que o cabaré ardeu
    fogo posto
    As beatas no cinzeiro
    E as da igreja
    Adoraram
    O fumo branco
    E o papa
    Carbonizado
     
  5. Morango aberto

    Porque é que dizes que és todo meu
    Quando sabes que não és
    Nem um grão de areia poderia provar isso
    O meu morango aberto
    Vermelho sangue alegria que faz cócegas
    Chora impulsos de sinapses
    E pensas
    “Será tudo isto uma mentira?”
    É próvavel que não passe de uma viagem
    Numa nuvem de algodão azeda
    Abafada pela erva
    Sal da praia
     
  6. Em obras

    Ser um poema em construção
    Não passar do primeiro verso
    sem que violentamente rasgues a folha
    a amnésia da borracha
    adrenalina de espetar o lápis
    no muro branco da consciência
     
  7. A fragilidade do corpo

    JAZ
    Rosto gelatinoso
    moleza da pele
    Sem alma
    Voltou para a gaveta dos escolhidos
    o corpo
    devorado pelos insectos
    pequenas baratas passeiam alegremente
    naquilo que foi
    a parte do corpo que menos gostaste
    elas gostam
    Nunca podeste ver os vermes que te devoravam
    Viva, agora, morta.