Dois textos, Mateus Lopes Bregas

Textos de Mateus Lopes Bregas. Revisão de Ana Sofia Souto.

Para Onde Fogem As Flores No Inverno?

Haverá algo de errado em ser infantil? Por que razão devemos nós perder as qualidades das crianças? Afinal de contas, não serão as crianças mais sábias que nós? Com as suas mentes – não toldadas por preconceitos imbecis; com as suas palavras – não moldadas por cortesias inúteis; com as suas ações – não constrangidas por convenções infundadas…
(Quando se trata de julgar um mentiroso ou um hipócrita ou qualquer outrem, qual de nós atirará a primeira pedra? Serei eu? Eu não serei, de certeza… Então… Serás tu? Terás tu a consciência limpa para garantires, perante todos os outros e, especialmente, perante ti mesmo, que não fizeste também aquilo que condenas ou, talvez, pior?)
Uma criança não vê nada para além daquilo que vê, realmente… Só quando cresce é que vê tudo o que lhe dizem… Assim é a vida: uma constante caminhada para um destino que evitamos alcançar… Nada mais, nada menos… E enquanto alguns caminham por estradas de algodão, outros andam descalços por entre pregos, urtigas e vidros…
Há algo de translúcido na minha mente, hoje… Talvez seja do frio, talvez do sono… O facto é que hoje acordei a sentir-me infantil: vejo tudo como se fosse a primeira vez; aprendo algo a cada passo… E como é bom este frio (ou este sono), que me traz de volta a infância perdida! Quero partilhá-lo com todo o mundo, mas o mundo não está interessado: o mundo conta os tostões para chegar ao fim do mês com comida; o mundo mata-se a trabalhar para não morrer na mais profunda miséria; o mundo ignora as causas dos problemas, chamando líderes ao seus donos e acreditando nas mentiras que lhe atiram…
Haverá, então, coisa mais bela do que ser infantil ou do que comer um gelado quando se tem frio, só porque sabe bem, ou do que brincar na relva sem medo de estragar a roupa ou do que nos questionarmos inocentemente se as nuvens sabem a algodão-doce e para onde fogem as flores no inverno?


Prolongados Tremores Efémeros

A luz das velas balança, inconstante,
Provocando nas sombras dos objectos
Que ocupam demasiado espaço na minha secretária
Um imprevisível e incontrolável movimento,
Como se dançassem ao ritmo de uma sinfonia,
Composta exclusivamente de ultrassons.
Eu, sentado ali perto, não balanço;
Pelo menos, não o faço de forma tão elegante.
Tremo, sem dúvida, mas sem qualquer pretensão artística.
Não é frio, nem nervosismo…
Nem tenho razões para ter medo, penso eu…
Se as tivesse, de certeza que as conheceria, não?
A não ser que seja algum receio inconsciente
Acerca do futuro, acerca do mundo, acerca do país…
Ou, talvez, uma ligeira recaída que me faça temer (e tremer) por ti…
(O doce sabor do tóxico tédio que me aflige tem efeitos secundários indesejados).
Amor é apenas uma nomenclatura alternativa para acido sulfúrico.

De repente, um nevoeiro, dentro da minha cabeça…
Infinitas gotículas de febril apatia turvam o meu pensamento.
Vejo em mim coisas que nunca fui e pessoas que nunca senti:
Nuances de um Jim Stark – antes morto que em fuga,
Fragmentos de um Michel Poiccard – em fuga até à morte…
Não há qualquer certeza absoluta que não possa ser desconstruída…

Não há nada que possa fazer:
Tremo, e tremo, e tremo, e tremo…
Mas vai parar, eventualmente, assim como todas as coisas cessam.