Textos de Maria Duran Marques. Revisão de João N.S. Almeida.
Somos bichos com olhos de santos
Tremo com medo das estrelas
e de todos aqueles fogos naturais:
relâmpagos roxos e o desabrochar violento dos matagais
nos dias vermelhos de Agosto. A temperança
ds elementos subordinada a uma paixão
daquelas que surgem sem curiosidade e sem pudor
surge apenas para arrasar os campos e queimar as núvens
apenas porque existam campos e existem núvens.
É partilhado entre mortais de almas pequenas
um horror às noites nefastas
e aos dias de escuridão –
quando aqueles vulcões que passam séculos cogitando as mesmas magias
suspiram os seus lamentos de amor perdido
e com os fumos da saudade petrificam continentes e cegam os olhos do sol.
Haverá sonho mais terrível? Mas a memória das coisas perdidas é mais terrivel
do que os sofocos inventados. As pedras de Pompeia lembram-se do sabor do
ar fresco
embora já há muito não consigam sonhar.
E tudo isto surge no mundo porque a distância entre as coisas é um espaço
cheio de música e vida
e não há um único astro de luz fria
(honrado na altas imensidões vazias)
que não se queira apaixonar por um único dia.
Não! Nem nenhum pequeno coração humano
(somos bichos com olhos de santos)
que não seja rico na doce loucura de amar a vida.
Vento, luz, fogo e chuva
são grandes e terríveis estas maravilhas – tremo tremo tremem-me as mãos.
Todas as montanhas desenhados por Deus são divinas
e as bocas dos desertos têm fomes infinitas.
E mesmo assim: nada debaixo do céu encontrei ainda
tão grande e terrível como a literatura da vida
todas as anotações da alma rabiscadas nas sombras entre os nossos ossos –
fibia tibula patella femur
pietas veritas clementia dignitas.
Adeste Fidelis
Com que coragem escreveria sobre o Natal?
Mais fácil
e menos ambicioso
seria falar sobre a música:
todos os desejos que repetimos
até ganharem melodia. A música é uma bondade uma mão a agarrar
durante os encontros e reencontros
e toda a estranheza da nossa
pele debaixo de casacos novos a estranheza de ouvir as nossas vozes
oferecendo janelas para a nossa vida
a pessoas que conhecemos mal e a quem queremos bem.
Os nomes dos mortos ganham mais força agora.
Talvez porque é mais fácil ter medo no inverno
a luz é mais clara e a água é fria o suficiente para
maguar dentes e rachar corações
e temos medo dos mortos medo da ausência medo de ouvir
o silêncio.
Corações ao alto! – quão alto? – mais alto do que isto
de certeza.
Mas quem tem coragem para ler poesia no Natal? Eu não.
Vou mencionar apenas a beleza das plantas durante as semanas de chuva
as alamedas verdes numa pequena primavera
e como Deus se assemelha a uma planta caduca
que vive durante poucas semanas
desabrocha num ano novo
deixa um perfume incerto antes de murchar e retornar
ao docel daquela terra escura
sonhando com a boavontade dos homens.