Texto de João Freitas Mendes. Revisão de João N. S. Almeida.
Não tenho veleidades de crítico. “Só aparece se lhe apetece jantar” é o dom característico de algumas autoridades desse género. Aparecem para bater, mas nunca para fazer. Tentarei falar sobre música da maneira que consigo.
O novo disco de Lourenço Crespo (LC) – que pode ser ouvido, tal como o primeiro, em lourencocrespo.bandcamp.com – soa-me realmente introspectivo. Como direi adiante, esta primeira impressão não é certeira. Mas é como se diz: quando se é introspectivo, introvertido, a depressão ataca. Para espantar as ânsias, é bom espalhá-las aos ouvidos de quem quiser. Prometo deixar-me de conversa de crítico. Por exemplo: “Disco sóbrio, se comparado com o anterior: será este o verdadeiro primeiro disco de Lourenço Crespo? Ah, realmente é isso que o título do álbum homónimo indica (o nunca desmentido “álbum homónimo”!).” E por aí adiante…
Enfim, há vontade de afirmar verdades próprias da vida comum. Talvez se possa ouvir como, em geral, a cantoria só existe na segunda parte do verso: passagem lírica da banalidade da vida, em “Escandaleira”. É beat, não é beat? Tem qualquer coisa disso. A terceira canção é sobre desistir-destruir-reerguer. Talvez seja, verdadeiramente, sobre dar o salto em frente, a caminho dos 30, sem suportar o abandono das misérias habituais. O que continua em “Avalanche”. Como combater as prisões mentais? Parece ser melhor fugir. Mas não é fugir: é saltar do prédio em chamas, não há outra saída, mesmo que esta não seja segura nem aconselhável. Parece tratar-se de uma hipótese muito remota de salvamento, perante as prisões convencionais em que o medo já tem tudo. Mas sublinho, é a única.
Existem laivos diarísticos e propostas existenciais (de sentido comunitário) contra o mundo caótico, na quinta canção. “Deita tudo fora, passado evapora pelos canos da cidade / cai a noite é liberdade mas sem nada. Nada!” Há esta beleza de vez em quando nos versos de LC, mas a sua intenção não pode ser essa. Porque a beleza não salva: “no piano partido fico a cantar”. Aqueles laivos são fotográficos: o crítico errou, pasme-se. Parecem ser justaposições de fragmentos, episódios, sem o consolo da sucessão recta dos dias. É possível que isto se faça das associações mentais, às vezes radicais, mas nunca livres de um sentido perturbador, salvo melhor sorte.
Mas também há poética. “Medo de mudar” e “O teu nome” são alguma coisa sólida e servem de pontos de ancoragem no meio da violência – da vida e do disco, nas cordas de obsessão do baixo da primeira canção e do ambiente soturno da sétima. Quando se percebe, finalmente, o que nos tira da modorra e da mediocridade (aqui escura ou ali dourada) vem a alegria. Aqui ouve-se “A Banda”, como quem se encontra depois da loucura ter ficado rouca (Ramos Rosa), mesmo se for só por momentos. “A Fetra!” (colocar descrição aborrecida sobre a historiografia da editora, blá, blá, blá) é a festa definitiva de quem faz o que gosta e começa a saber disso. A confirmação do rumo e a reconfiguração das memórias juvenis para o pólo positivo. A última canção é uma maravilha. Está bom assim? Dorme-se bem quando se sente … – quando se morde a almofada quente e densa da terra, conforme disse o poeta Belo. Parece o amor da idade adulta da única forma que ela pode existir: como uma coisa infantil.
A crónica devia ter terminado ali, mas enfim, alfim, não entendi a canção 11 – “Lágrima fácil”. Parece-me que existe empatia de LC consigo mesmo, com a sua própria história de devaneio e improdução, sobrevivência. Portanto, este álbum tem para mim dois elementos: violência (pré-adulta convencionalmente, na primeira parte); encanto (segunda parte do disco). É certo que estas fases vitais poderiam desdobrar-se até em vários discos. Opção ou contingência? Amor e violência. Há um certo consolo em apresentar isto como um avanço cronológico. Desespero e apego. Maré vaza, maré cheia.