Transeuntes, B.M. Rodrigues

Imagem: Le Rêve, Picasso, 1932.

Texto de B.M. Rodrigues. Revisto por João N.S. Almeida.

0h – Prólogo

Quantas ondas um corpo amado produz no oceano de um coração apaixonado? E, uma vez produzidas, quem serena o mar na passagem pelocontinente da consciência? Eu toco suas costas, e seus pêlos arrepiam, vira o rosto, morde o lábio, e eu estremeço. É uma onda que passa por mim, que me leva, imóvel, ainda que seja eu quem age. 

Se o amor é mesmo, tal como disse Bukowski, a névoa da manhã que aparece quando você acorda antes do sol nascer, então eu torço e rogo para que ele esteja errado quando diz que é apenas um breve instante que depois desaparece. Pois se o amor é névoa, ele não queima com a primeira luz da realidade, mas ao contrário, ele é a condição de possibilidade para que haja luz e calor na realidade. 

Esse sentimento que é tanto névoa quanto sombra é um estado corajoso de transição. Quando a toco, até pelas costas, ela não vê meu rosto e, ainda assim, tem a imagem do meu olhar. Talvez porque algumas sensações nos unam com tamanha força e pulsão que nos tornarmosum até sem querer, que nos colocam na posição do outro e brincando de não fazer nada vamos entendendo juntos o nosso próprio nada; rimos juntos do passar do tempo. 

1h

O rosto dela respirando no meu. O tempo desfazendo-se no único movimento do corpo, o suspiro era o único movimento do espírito da cabeça aos pés. Aquele espírito que habita o sonho de não pensar em nada, simplesmente deitar ao lado. “Sonhei contigo”, ela acorda dizendo. “Sonhei que fazíamos amor no meio de um oceano sem mar”. 

Acordar e sentir o espaço vazio da cama é como sair de um sonho, às vezes sem qualquer imaginação. É descobrir que uma parte de você está em algo mais estranho do que o próprio sonho sem conteúdo. Você e ela são o sonho. E nada mais importa, nada além da janela tem qualquer sentido. 

O mundo é vazio e cabe a vocês ocupá-lo. Corpos entrelaçando essências, ou será, nesse encontro, formando uma nova? Estar com ela era esvaziar-se de todo  o pensamento ou memória. Ter, ainda que por uma noite, a sua liberdade, confinada entre as quatro paredes do desejo, era uma experiência tão completa em vivência que apenas os gestos dimensionavam aquele momento.  

Abrir os olhos, esticar o corpo e ter um corpo envolvendo o seu é uma sensação sempre nova. Olhos que te encontram, olhos que não sabem o que responder. Ela sorri pra mim, uma gargalhada que se estende às pernas. Suas bochechas são radiantes, coram com uma vergonha falsa. Coloca a mão no seio, dissimula vergonha até ao quadril, que dança – as pernas tremem, mas é de vontade. Um pé toca as minhas pernas, acaricia. Ela também coça meu cabelo, beija minha testa e eu morro. 

Se havia algo dentro de mim, algum juízo ou consciência, esse escorreu pelo corpo dela, misturou o suor de cada um em uma mesma substância e, tal como no abraço, fez o pensamento tocar o devir. No toque do beijo matinal veio a materialização do esquecimento. Não importava quem éramos ou como chegámos ali, quando nossas mãos seguravam os corpos, todo o entendimento era físico, biológico e, portanto, dispensava palavra.

O abraço era um abrigo. Em um mundo desolado, sem amor e sem esperança de romance, estar tão bem acolhido e protegido fazia do quarto uma ilha ou, quem sabe, um óasis. No mar dos afetos só restava o deserto da solidão. Ter um espaço de aconchego, algumas horas de chamego, comportava suprir a ansiedade de meses e até anos de desolação. “Nada é para sempre”, ela disse, assustando-me. Se era de facto assim, se tudo, inclusive esse momento, está fadado ao fim, então “… que o nada seja teu e o sempre a nossa lembrança.”

Sobre mim a tua saia justa e preta, sobre mim todo o teu desejo. De joelhos, tu estás em pé sobre mim. Meu orgulho acovardado diante do teu amor, minha confiança fazendo tremer até o meu olhar mais sério para a tua ousadia. À minha frente, tuas pernas erguendo teu corpo nu, impedindo qualquer caminho meu que não seja teu. Vejo tuas costas, o fim do teu sorriso no último fio de cabelo que colocas atrás da nuca. Te seguro e a tua única reação é o riso. Aqui todo jogo termina e a promessa começa. 

E assim, como uma última revelação vem a consciência do sentimento. É uma faísca na escuridão, um estalo do pensamento: “Eu te amo”. Te beijo, só quero te beijar. Pra sempre. Na cama, nado para o teu abraço. Daqui, onde tiras o cobertor, sinto o teu cheiro. Mas há tanto entre nós e a cama bagunçada. Daqui, vejo cada lágrima e cada grito, talvez, até sinta quanta dúvida há na provocação do teu corpo. Te beijo e assim digo que aceito compartilhar a tua dor. Como minha última cartada, troco minha vida pelo teu mistério.

2h

Toco teu rosto, fecho teus olhos. Beijo cada aresta da tua face. Guardo cada canto da tua alma, essa essência que não tenho certeza conhecer. Quem sou eu para ter certeza de alguma coisa. Eu que disse teu nome não tantas vezes e hoje mal o posso balbuciar sem gaguejar na segunda sílaba. 

Coloco teu cabelo atrás da orelha, pela janela ao lado os primeiros raios da manhã mostram também o teu despertar. Esse sorriso tímido, o jeito meigo de expressar a fé; a alegria de acreditar em si. A tua perna roçando na minha e os teus dedos entrelaçando a minha outra mão parecem agarrar de novo, e de novo, o mesmo sonho. Quantas vezes nós desistimos, por achar que a gente era outra pessoa. Quantas vezes, depois desse olhar de madrugada, o amor esvaiu-se como a última neblina da noite e os nossos fantasmas, sentados entre nós, afastaram o encontro, deixaram o beijo apenas no sonho. Ao acordar, nossos medos ainda se refletiram na neblina e, se havia algo por vir no dia, fez até o brilho do sol esfumaçar-se na rotina.

Ainda te amo. Abre os olhos, peço-te em um sussurro. E no abrir do teu sorriso, nas covinhas contraídas ou nas pálpebras relaxadas, a ambivalência da euforia que se mistura com a confusão. Tenho que te segurar forte, mas sem querer. Te dar o risco, a possibilidade de ir embora. Você já não é mais menina e não quer um príncipe em um castelo. Talvez queira apenas o cavalo e espero que suba junto comigo, que segure a minha mão pois ninguém quer cair. A nossa família não precisa de morada, basta o mesmo horizonte.

Eu que tantas vezes caminhei para você enquanto você fugia, você que tantas vezes caminhou para mim e eu, me escondi, enfim, parei. E você veio. Não por mim, não por saudade, mas, simplesmente, porque eu estava lá. E continuo aqui, na tua cama. Brincando de amar vamos aprendendo a viver. Não é uma brincadeira, eu sei. É um desafio que não precisamos superar, o jogo não tem vencedores. Só posso dizer para você que, hoje, eu quero: “Te quero” – com o cabelo sujo e com a voz rouca, é contigo que quero estar antes do dia começar. O destino ou o amanhã já não importam. 

Chega uma hora que o tempo já não mede o relógio. O que mede é a fome, essa falta de vida que nos aproxima da morte. Às vezes, como agora, quando ela dança nua sobre mim, penso se desistir desse amor, enquanto é cedo, não me faria mais calmo durante o resto do dia. Ela é linda e eu a venero, mas, no fundo, eu sei, ela não me ama. Como poderia? Ela nunca me conheceu e, de certa forma, sempre teve medo de conhecer alguém diferente de quem idealizou. Enquanto toco suas pernas e beijo suas coxas, os olhos fecham, minha cabeça se apoia sobre o seu quadril e lacrimejo. Imagino a falta dela que vou sentir quando sair daqui. Essa falta que me lembra da morte é a idealização de uma vida que não existe, de uma pessoa que ela também não é. Somos estranhos fingindo entendimento, somos amantes fingindo amor. 

Ela olha o meu rosto e enxuga minhas lágrimas. Ela diz “Eu te amo”, fazendo cada palavra ter um som especial. Ela passa as mãos sobre a minha cabeça, os dedos acariciam meu rosto e chegam firmes às minhas pálpebras. Ela acolhe o meu desespero com a serenidade e a preocupação de quem já sofreu assim. Talvez ela nem me ame, mas ela sabe o que é amor quando o vê diante de si. Com um sorriso constrangido e um olhar baço, ela diz que não há com que eu me preocupar. Enquanto ela pede um beijo, eu peço tempo. Tempo para me afastar da vida que ela promete. Tempo para eu me proteger do amor dela. Aqui e agora, termina toda a esperança. 

3h

Quando os lábios dela tocam a minha cabeça, eu me abaixo e toco o ventre. Me levanto, beijo a sua boca e desço mordendo gentilmente do pescoço aos seios. Acaricio a auréola dos mamilos gentilmente e depois alterno, seguro com força, sem machucá-los. Passo as mãos sobre as suas costas e a envolvo em mim. Estimulo seu clitóris com a língua, os meus pequenos lábios sobre os grandes dela. Ela quase goza. Então eu a penetro e ela grita. E o meu choro vira riso, e riso dela vira choro. A cama está encharcada do nosso suor. 

O sol começa a se levantar e nós estamos cansados. Eu durmo e ela me acorda, mas ela parece tão diferente. Usa uma peruca de corte Chanel, uma franja reta e as pontas curvadas. O corpo parece diferente também, tem uma tatuagem de borboleta minúscula do lado esquerdo da barriga, uma tatuagem que por parecer tão real não me atrevo a tocar. Talvez seja só a minha imaginação. 

O quarto começa a ficar alaranjado com a luz do sol que começa a nascer, mas são apenas raios tímidos do lusco-fusco. O breu ainda impera e, para vencê-lo, várias lâmpadas, em fio, como o pisca-pisca de árvore de natal, foram colocadas sobre nós. Não sei porque ela fez isso. O ambiente também toca uma música de fundo, é um ritmo com frequência baixa e aconchegante. Parece aquelas músicas que a gente encontra aleatoriamente, em uma tarde de sábado, no verão, em uma rádio que a gente nem sabia que existia. 

Ela pergunta se eu quero dançar e já se levanta. A rapidez do movimento não é de alguém que acordou há pouco tempo. Ela está irradiante, puxa a minha mão para o seu quadril e a outra para a sua mão. É uma valsa, só agora reparei que ela está de salto, está mais alta do que eu. “Lembra da primeira vez que me conduziu” – suspira ao pé do meu ouvido. “Acho que não melhorei muito desde aquela vez” – respondo. “Eu espero que não” – diz ela, quase séria, como que me persuadindo a confiar em mim mesmo. 

Rodando com ela pelo ambiente, percebo uma foto nossa solta ao pé da cama. Uma foto que talvez ela tenha olhado antes de dormir, algo que ela esqueceu de esconder. Talvez ela não tenha mais medo de mim. Será que já é hora de me entregar? A madrugada já está no meio e a minha paixão não suporta outra espera. Tudo isso é muito estranho. Nada disso é verdade. Só quero que ela saia da minha memória. Só quero algumas horas de paz até amanhecer. “Lembra que eu te amo” – ela repete. “Eu não sei te fazer ficar” – respondo intimidado. Nesse momento, com a cabeça inclinada, ela dá a pior resposta: “Não há nada que você possa ou precise fazer”. 

4h. 

Enquanto trocávamos beijos e carícias, lembrei que aquela música me era familiar. Lembrei que a primeira vez que a dançámos éramos pouco mais que adolescentes. Era o nosso terceiro ou quarto encontro, não tínhamos dinheiro para nada além de fast-food e ela nem se incomodou. Nós saímos do restaurante e ela colocou seus braços no entorno do meu pescoço e me beijou, exatamente como agora. “Você viu um bar minúsculo, no subsolo de uma oficina imunda e perguntou se eu queria ir lá descobrir o lugar.” “Vamos dançar?” – você perguntou animada. Sem reação, eu só segui você. Parece que foi você quem sempre me conduziu. 

“Eu também te amo” – respondo sério. Ela sorri e brinca com o olhar com um semblante de quem já sabia. “Não, você não está entendendo. Eu te amo, de verdade. É amor de vida.” – nesse momento, o rosto dela vai adquirindo textura na escuridão, a iluminação esparsa cobre a pele alva com contrastes mais acentuados. A pouca luz que chega reflete nos seus olhos verdes, são tão claros que no reflexo parecem esmeraldas de tão fulgurantes. “Eu sei, amor.” – ela passa os dedos sobre as minha bochechas e essas parecem tremer na possibilidade de eu gaguejar nas próximas frases que estou para declarar. 

“Quero amar você a vida inteira. Quero viver com você o amor” – seguro a mão dela e beijo o dedo anelar da mão direita. Assustada, agora, é a mão dela que treme. Ela puxa a mão para si, e vai até à janela. Ela se põe nua sobre a sacada e parece puxar todo o ar que vem do último vento frio da madrugada. Vou até ela e pergunto se está tudo bem, girando seu rosto para ver o meu. “Você tem certeza?” – eu só balanço a cabeça com um movimento vertical. “Você quer isso também?” 

Ela voltou o olhar para a rua, não haviam muitos carros cruzando a via expressa que ficava em frente à sacada, mas, em razão da altura, quase não se ouvia além de um burburinho dos que passavam mais acelerados. “Nós somos apenas transeuntes. Não há como saber quanto esse encontro vai durar” – ela falou, flexionando os olhos e fazendo as sobrancelhas tensas. 

Segurei a mão dela e acariciei desenhando com o dedo um coração. “Lembra quando eu fazia isso?” – ela riu e respondeu que sim. Então eu desenhei também as nossas iniciais e escrevi ‘para sempre’. “A vida que quero com você é muito mais do que um sonho, é a projeção de todas as nossas memórias. Mas ainda se eu tivesse te conhecido hoje e, por um acaso, contemplasse brilho o teu sorriso ofuscando o cruzamento do Sol com a Lua nesse início de dia, eu também não teria dúvida.” – quase engasguei nas últimas palavras e, diante da parte mais difícil, fechei os olhos e continuei.

“Porque há algo no teu olhar que me faz acreditar que é possível ser bom, que é possível irradiar uma aura ou aurora de paz em qualquer hora do dia. E se eu demorei tanto para dizer que te amo é porque durante toda a minha vida eu não me compreendi o suficiente para me sentir amado. É porque eu amei as pessoas erradas achando que eu podia amar por elas também. Porque diante de todo o teu carinho, eu me esquivei do amor como quem se esquiva de respirar, e quando sufoquei, eu te amei mesmo quando não queria. E eu fui amado mesmo quando não via. Porque amar e ser amado não tem nada a ver com querer, é simplesmente estar com o outro e ser cuidado com alegria, quando a tristeza é tudo que a gente tem a oferecer.” – e ambos, de olhos encharcados, nos entreolhamos durante vários minutos e ela me abraçou. Segurando a minha mão com força, ela tomou fôlego e falou com coragem: “Porque amar é mais do que viver, é plantar até o que pode morrer.” 

5h. 

Com a cabeça dela apoiada no meu ombro, os nossos dedos cruzados, propus: “Vamos caminhar?” – “Mas, a essa hora?”. “Só aqui perto. Uma volta no bairro”. Ela se arrumou bem devagar, colocou uma manta folgada e um short frouxo, a roupa mais confortável era sinónimo de uma tranquilidade nova que via no seu olhar. A calmaria vinha com o olhar doce, com a expressão de uma certeza que dava fim a angústia. Nós estamos prontos para viver juntos, nós estávamos dispostos para aceitar o nosso amor. E a leveza não era a certeza que ia dar certo mas a convicção de que nós precisávamos um do outro para termos uma vida completa.

Descemos o prédio de escada, eram só dois andares e fomos até à rua abraçados como namorados de primeira semana. Ela olhava pra mim tão meiga e alegre que seus olhos pareciam dilatados de euforia. Eu, de tanta paz, mal sentia o chão. Tudo parecia flutuar e ela era minha única segurança. Não éramos mais tão jovens e sabíamos que aquele estar junto era diferente de todos os momentos que já tivemos juntos. Agora havia um compromisso em fazer do abraço uma casa. Em fazer, da alegria de cada um, a condição de possibilidade de existir um ‘nós’. Agora, acho que sabíamos que ‘nós’ não eram pra ser atados. Quanto mais nós prendemos, mais nós perdermos. Foi assim com todas as fitas que amarramos no sentido de promessa e não foi assim que nossos corpos se uniram. 

A rua ainda estava silenciosa e o movimento era o mais pacato em toda a madrugada. No entanto, não tínhamos medo. Não estava nem muito escuro nem claro, mas nós podíamos ver tudo até onde terminava o horizonte. Uma brisa leve vinha das esquinas e soltava bufadas de oxigénio ao encontrar as plantas e árvores do boulevard sem o empecilho da poluição. É como se o mundo tivesse parado para nós. Mas o mundo não pára. Dobrando a esquina, um casal, com talvez a mesma idade que nós, porém parecendo muito mais velhos, se contorcia embaixo de um toldo de pizzaria. Não lembro quem parou primeiro ao ver aquela cena, mas lembro que não hesitei em tirar o meu moletom e cobrir  aos dois como um edredom precário. 

Fiz aquilo pois não tinha muitas roupas no apartamento e não havia muito mais que pudéssemos fazer. Nossa vida também era simples e até passava por dificuldades mútuas; ainda assim, se havia algo em que sempre concordámos era na responsabilidade de ajudar quando podíamos. “Consegue terminar o passeio?” – ela brincava rindo do meu súbito tilintar de frio. “Só se você me abraçar forte.” – e ela me abraçou com um aperto que fez meus músculos estalarem. “Calma amor, não é preciso de tanta força. Já vai amanhecer” – sorrimos mutuamente com os olhos e com o coração. 

6h.

Já nos beijávamos desde a escada. Tropeçámos em quase todos os degraus e, mesmo assim, o beijo não foi interrompido. Tirei a blusa dela perto da porta. Beijei seus seios, como quem toma do cálice inteiro e faz da embriaguez um ato transcendente. Ela me embriaga, o seu corpo dança, se arrepia, estremece. Puxa meu cabelo, minha cabeça pára mais perto. Quer a minha boca, o atrito do meu peito no seu. Morde meu lábio e não fere. Morde mais uma vez e quase machuca, lambe. Tira minha calça, minha cueca e que restava do nosso pudor. 

Segura meu membro e estimula. Tiro sua calcinha, raspo meu membro, com sua mão, na vulva. Mordo, mais uma vez, o bico do seio, abocanho o centro do cálice e bebo do desejo de uma só vez. Subo ao pescoço, onde demoro. Aquieto os movimentos com o dengo e o cheiro de amor. “Te amo” – repito. “Te amo, te amo, te amo …”. E começo a bater-lhe em seu rosto. E o sol nasce e sobe sobre nós, mais cedo do que de costume, ele lança luz mas ainda reflete o nosso calor. Ela aperta o meu pescoço e tenta tirar todo o meu ar. O quarto vai mostrando-se visível e nós não nos escondemos. Jogamos o cobertor no chão para depois irmos ao chão. Ela senta sobre mim e eu, pela primeira vez com segurança, a conduzo. Toco suas pernas, os músculos enrijecem, os pêlos arrepiam, a coxa esquerda convulsiona. E eu a seguro e a penetro mais fundo. 

A coluna se levanta, os seios inflam. Todo o sopro de vida se faz gemido, canto sem sentido. “Te amo, te amo, te amo…” – ela responde. Então desce e me beija onde todo o sangue se avoluma. Chupa com tanta força que eu grito e ela se volta para me olhar, mal me encara, dissimulada de tanto orgulho, me puxa pelo braço, deita no chão, e me leva ao paraíso. O piso de madeira parece um mar, pois o que os nossos corpos tocam se dilui e o que se vê parece fumaça. O dia resplandece ao nosso redor, o som dos carros e do comércio traz o eco da vida fora do quarto, todavia nenhum sino é mais alto que os nossos suspiros. Ela é o meu mundo, e eu o dela. 

Mudo-a de posição. Ela me olha com espanto fingido ao mesmo tempo que aproxima meu corpo com uma unhada no meu pescoço. Massajo sua bunda entre o beliscão, a palmada e o toque mais firme. Ela se empina e esfrega. Apoia-se frente à parede. Eu beijo seu pescoço, mais uma vez, mas, agora, me demoro em suas costas. Ela lança o seu corpo em mim com fúria. Abro as suas pernas, viro seu rosto e a beijo. Ela me beija de volta como se sentisse minha falta há anos. Talvez seja isso mesmo, talvez toda essa liberdade e despudor seja mais do que desejo, seja mesmo o reflexo, tal como os nossos corpos ao sol, da certeza e da coragem que vêm do amor. 

“Amor, deixa eu ler um poema pra você?” – pergunto com vergonha sincera. “Claro, amor.” – ela responde atenta e concentrada. Beijo sua orelha, circulo a língua pelos cantos e termino, ou começo, lambendo o lóbulo:  

“Imagina a gente se amando assim

Todos os dias da nossa vida.”

O quarto todo branco, nossa vida toda exposta e ela só me responde: “Meu poeta, meu único amor.” – e segura, devagar, minha mão, meu pescoço, minha bochecha, minha boca, minha cabeça, minha vida. 

7h. 

O sol ergueu-se por completo e está na cabeça do céu. Eu abro a toalha, passo o café e sirvo as torradas. Não temos muito além disso. Mas nossas mãos estão juntas. Nossa casa está arrumada e logo vamos sair. O trabalho nos espera, todavia a nossa profissão já foi realizada. Amar com cuidado e dizer ao mundo que todos os perdidos, um dia, irão se reencontrar no amor da noite em que perderam a esperança.

Luz. Calor. Confiança. Amor.