Sobre a felicidade da infância, Anabela P. Dias

Texto de Anabela P. Dias. Revisto por João N.S. Almeida. Foto: pixabay.

Um dia destes, estava no café, com uma amiga minha, reclamando que, como acontece a muitos escritores, tinha perdido a minha criatividade. Tentando ajudar-me, ela sugeriu que eu escrevesse sobre o momento mais feliz que tive na infância. Devo confessar que me senti como uma adolescente casmurra, que insiste em desafiar os pais quando lhe disse que não podia escrever sobre o tema proposto. Não me levem a mal, não estava a ser ingrata, a questão é que eu tive uma infância demasiado feliz para me dar ao luxo de escolher a memória mais feliz desta.  

Quando somos crianças achamos que cada “não” é o fim do mundo, que cada dia de chuva é um dia perdido, que cada despedida é eterna. Mas então, numa manhã, ao acordarmos, apercebemo-nos de que já não somos crianças. Que alguns “não” são deveras o fim de uma era, que temos de ser mais forte que as advertências que ocorrem pelo caminho e que, infelizmente, algumas despedidas são mesmo imutáveis…  

Agora que sou adulta, ou penso eu ser, ao olhar para trás não vejo uma imagem simples da melhor memória da infância. Em vez disso, como numa má comédia romântica, sou invadida por um enorme flashback de uma menina inocente que brincava descontraidamente, em casa, no parque, na rua, com a família, com os amigos ou até mesmo sozinha.  

Se fechar os olhos sinto o relógio a andar para trás. E, por momentos, volto a ter pouco mais de um metro! Falta-me um dente da frente, uma fita cai-me pelos cabelo abaixo enquanto ouço a minha mãe resmungar que eu nunca paro quieta, tenho o joelho todo negro, mas apesar das adversidades estou a rir. Estou a rir porque sei que o meu dente irá voltar a crescer, porque sei que apesar de estar a resmungar a minha mãe vai voltar a ajeitar-me o cabelo (agora que penso bem sobre isso, não sei como é que ela tinha paciência para fazer isso, juro por tudo que a maldita da fita caía sempre) e que em breve o meu joelho estaria pronto para outra queda (eu caía quase tantas vezes como aquela fita). 

Quando abrir os olhos, voltarei ao meu tamanho normal, e apesar de o meu cabelo continuar indomável, a minha vida será totalmente diferente. Porque as Barbies já foram arrumadas, as palavras deixaram de curar tudo e por vezes os pesadelos continuam, mesmo que eu esteja acordada. No meu joelho continua a existir uma ou outra nódoa negra, porque no fundo continuo a ser desastrada, mas as dores que me incomodam agora já são outras. E se eu adormecer no sofá agora, amanhã irei acordar com dores nas costas porque já ninguém me transporta ao colo. Era feliz sem saber, mas depois cresci…