Imagem: Placa azul comemorativa de Somerset Maugham, no nº 6 de Cherterfield Street, em Mayfair, Londres. Fonte: Wikimedia Commons.
Texto de Paulo Mendes Pinto.
Há livros que lemos no momento exato em que o deveríamos fazer. Aconteceu-me tal fenómeno neste Verão: Somerset Maugham estava na minha lista há vários anos, mas nunca mais chegava a oportunidade – até chegar.
Comprei em segunda mão o seu Mágico, quando passeava pelo centro histórico de Coimbra, num final de manhã em que procurava algum antiquário que tivesse ao fundo da loja uma estante esquecida com livros antigos. Não nego que o texto da contracapa que relacionava o personagem Oliver Haddo com Crowley foi motivante para a leitura, e crucial para a compra. E assim nasceu um dos livros deste meu tempo estival.
Tanto das conversas com alguns amigos me vieram constantemente à cabeça. Muito há para dizer sobre este livro, e muito foi já escrito. Mas o essencial numa leitura pessoal é exatamente o que dessa dimensão de pessoal cada um retira. E para mim, esta leitura foi ao encontro de muito do que hoje vivo interiormente.
São cinco as personagens que dominam a trama do texto. São quatro as que gerem, em quatro pontos de vista totalmente diferentes, a relação com o já referido Oliver Haddo, o mágico. Susie, uma parisiense apaixonada por Arte, mas, sobretudo, por Artur; Artur, um médico totalmente racional, com o maior dos cepticismos em relação a tudo o que seja sobrenatural ou místico e apaixonado, não por Susie, mas por Margaret; Margaret, uma jovem tutelada por Artur, a passar uma temporada em Paris com Susie, e com casamento marcado com Artur; e Porhoët, um outro médico, que viveu no Egipto, com profundos conhecimentos de ocultismo.
E, claro está, Haddo, um estranho homem que domina as artes mais assustadoras, mas, ao mesmo tempo, mais deslumbrantes e cativantes. Um certo lado negro, ou, se quisermos, cinzento, do ocultismo, ganha um lugar cada vez mais intenso no texto, passando de um lugar perfeitamente acessório no início do livro, para se tornar assustadoramente intensa – e, acima de tudo, incontornável – a partir de meio da narrativa.
E torna-se incontornável porque, não apenas Haddo parece não deixar de surgir em sobressalto da pena de Maugham, mas porque vai dominando as mentes das duas jovens, especialmente de Margaret, a jovem noiva de Arthur que abandona o casamento prometido para fugir com Haddo.
E o centro do livro é isso mesmo: o controle das personagens que, de uma repulsa a Haddo, seguem para uma impossível proximidade que implica a sua total anulação face aos desígnios de alguém que parece dominar as vontades e o próprio destino. Pelas mãos, não as físicas, do mágico, tudo acontece como ele deseja. Mesmo o mais improvável.
Susie faz tudo por livre vontade, desde a sua fuga ao casamento, ao seu arrastar até uma morte quase ritual. Fá-lo por não conseguir fugir a um chamamento que a domina, ao qual não consegue fugir, mesmo quando o verbaliza e o repudia.
E Arthur? Essa é a maior trama de todo o texto: uma verdadeira metamorfose das mais inesperadas que um incauto leitor pode contemplar. O apaixonado médico, que tudo vê através de lentes de racionalidadea toda a prova é, afinal, alguém que descobre ter capacidades quase ilimitadas para o ocultismo.
De uma fase longa de busca da sua fugida amada, em que se serve sempre do seueticismo, terminamos, nas últimas páginas, num intenso e indescritível ritual de invocação de uma Margaret já morta que continua a ser a chave da resolução do crime de que foi alvo.
A grande tensão é, afinal, entre uma racionalidade limite, que nega um lugar, sequer, ao religioso, ao sobrenatural, ao místico e ao oculto, e a adesão a esse mesmo universo, a essas outras dimensões de o compreender e de o viver.
O fim?.. esse apenas deve ser lido.