Chapéu de palha, Luís G. Rodrigues

Imagem: Fotografia da autoria de Carolina Sousa

Texto de Luís G. Rodrigues. Revisão de Tomás Ferreira.

As sombras repetem-se. Ali, todas mostravam a mesma coisa com figuras diferentes como que querendo dizer algo. Ele olha-as, sabendo que são formadas pelas persianas que deixam passar a pouca luz da Lua e dos postes de eletricidade. Naquele teto as figuras são diferentes, cada brecha daquela persiana espera até àquelas horas para mostrar o que não pôde pela manhã soalheira que se tem repetido no decorrer daquele vulgar verão por que as pessoas ansiavam no inverno que já passou. E é por já ter passado que parece menos frio do que foi, menos rigoroso, austero, que obrigava a abrigo. No inverno também as sombras são diferentes, pois ele olha-as sabendo que o Natal está próximo e que as filas crescem. Quando se movem, as sombras não fogem de si mesmas porque é fugindo que são. Acabaram de se mexer. E outra vez. E outra. Aquela também já está diferente. Uma  mantém-se, no entanto essa foge de outras coisas e olha para as que fogem com atenção suficiente para perceber que se repetem.

*

Na falada noite escura, é verdade que até aquilo em que pensa não acreditar lhe cria receio porque não sabe o que pode estar por vir. Na falada noite escura, é verdade que a manhã por chegar pode servir de consolo, como se a noite se esquecesse do que ele pensou, disse ou escreveu enquanto ninguém o olhava. Naquela noite escura, até a sensação de colocar sobre a cabeça um simples chapéu de palha parecia o melhor a fazer, já que talvez a noite se esquecesse – mais uma vez – que é escura e o Sol dessa forma viesse mais cedo. A noite escura vai repetir-se e pô-lo à prova.

 – Venham as noites escuras – diz ele – porque é por elas que espero todo o dia.

*

Hoje a noite não chegou porque nem sequer chegou a amanhecer e o chapéu de palha não funcionou. Só enganou os que o puseram, desesperados, porque não aguentavam olhar para os postes que iluminam a calçada por onde andam pela manhã. Hoje a noite não chegou, ficou-se por ali, cansada por saber que nem todos admiravam as sombras que ia deixando, já que continuavam a querer o Sol vulgar que não chateia. Vingando-se, a noite ficou. O dia não começou e as estradas estavam vazias, as ruas desertas e as escolas fechadas. Todos à janela olhavam para a Lua como se ela fosse desertar, intimidada por olhares de quem pensa que só o amanhecer é um novo dia. Para provar que o tempo continuava a passar, a noite ficou. O tempo, de facto, passou, como sempre, por si mesmo e por todos os que naquela noite olhavam para a Lua e não para o céu azul que tanto queriam. A certo momento, alguém saiu de casa e, no meio da rua, disse para si e para a noite que o rodeia:

 -Como te esperarei, Noite, durante o dia, se não me fizeres esperar?

 Comovida, a noite foi-se e veio o dia.