Ceticismo e idealismo: formas de reflexão social, Victor Hugo Nicéas

Imagem: Le Penseur, de Auguste Rodin (localizada em Paris, uma das várias cópias existentes)

Texto de Victor Hugo Nicéas[i]

Mesmo que se tente, é impossível fugir do que nos está entranhado na pele. Idealismo ou ceticismo, talvez uma oposição aí se perfaça, mas um complemento existe. São opostos que habitam o mesmo ecossistema, mas que de tanto brigarem, não param sequer um minuto para se analisarem, duas faces de um único corpo, contraposição que pode ascender. Sendo eu bem hegeliano, de acordo com a ótica derridiana expressa por Sloterdijk[ii], sendo eu, um pensador de não sei qual ordem, abrindo espaço para desconstruir-me, proponho aqui uma reflexão sobre a vida.

Vejo em aspectos da semiologia hegeliana uma forma de união da matéria e da não matéria. Pegando emprestado os termos próprios de uma filosofia da linguagem, um signo constituído de uma noção pré-conceitual do significado em contado com o objeto significante. É-nos ciência que o significado vagueia pelas mentes de quem o possui, se objetivando em corpos empíricos frios e inertes. Como a alma que adota um corpo, dando ao objeto um suspiro que por hora chega ao fim.

O que aqui afirmo não se faz inovador em ponto algum, mas talvez aproxime mais pessoas que se interessem por um gole de filosofia. Ora, o que um cético e um idealista podem trazer em conjunto? Indago. Opostos se atraem, não é? Um jogo de pensamentos que permeia o viver, refletindo de forma convincente quando unidos. Não matéria que se une à matéria, esta é a chave do pensamento aqui, seja significado com significante ou alma com corpo. Um vivo, outro morto. Unidos ficam vivos e mortos, pois não mata a vida nem vive o morto, mas sopra um fio de ar que proporciona ao defunto um respirar.

A multifocalidade do observador cético é o necessário para o mundo enquanto sujeito empírico. Em outros tempos, talvez o ideal fosse essa busca incessante e direta que liga matéria e metafísica, buscando-se a magistral revelação ao sujeito, e como sujeito interpreteria como quisesse, pois sou humano, sou múltiplo. Revelação esta alcançada por poucos, talvez aos mais sábios ou aos mais destemidos, mas sempre uma minoria se beneficiava, mas e a maioria? Multidão é tosca, um aglomerado de seres pautados por uma verdade que seja socialmente aceita, excluindo aqueles que destoam do seu limitar. O idealismo talvez seja a verdade, mas de que serve se não puder ser alcançada pela maioria autolimitada? Aqui a multiplicidade é clamada para separar os seres que se unem a um único entendimento que não entendem. Desconstrói!

O pluralismo do movimento de pensar se externa no agir, seja por meio do medo ou hesitação, no qual o humano não chega a um consenso interno para poder externar, trazendo a dúvida da confiança sobre si mesmo e aceitando uma verdade imposta. Como sempre digo, matéria que modifica matéria continua sendo matéria, não importando o resultado, portanto toda e qualquer ação humana é uma ação causal, sendo ela reflexo da própria mente. Ora, se a mente é no mínimo dúbia, e se refletindo isso no agir, como se autoanalisar para evitar uma limitação se não de forma cética? Somos donos de várias verdades enquanto matéria que satisfaz desejos, devendo assim nos basearmos nelas para subir o monte da sabedoria, pois, como bem disse Sloterdijk (mesmo com conceituação diversa), aquele que “começa no topo só consegue progredir descendo”[iii] e a recíproca se faz igualmente verdadeira.

Essa relação de comunicação direta com o transcendental serviu de base para todas as sociedades; digo isto correndo o risco de cair no problema das generalizações, mas enquanto toco a pena dos meus dedos nas folhas de vidro, não me vem à mente qualquer sociedade liberta da unicidade em prol do entendimento da multiplicidade. Não sou aqui um axiólogo valorando verdades ou costumes, mas apenas um observador que nota o quanto a generalização da verdade fez imperar uma mentira no social de seres que não conhecem a sua própria multiplicidade, é como impor a uma criança que escreva antes mesmo de saber o alfabeto.

O não entendimento da mudança reafirma a ignorância do refletir e consequentemente no agir, sendo o individual esquecido, pautando toda a funcionalidade social no coletivo, e daí criam-se leis, hierarquizam-se seres retirados da massa irracional para reger a mais torpe sinfonia. A noção de poder hobbesiana prevalece, fazendo-nos crer que necessitamos de constantes regramentos e imposições da sociedade, afunilando o que somos para a ela servirmos. “Escravos sociais” é o que nos resta ser.


[i] Texto originalmente publicado em http://anthrofilosofia.simplesite.com/436365747

[ii] SLOTERDIJCK, Peter. “Derrida: um egípcio”, Editora Estação Liberdade, São Paulo, 2009.

[iii] SLOTERDIJCK, Peter. “Crítica de la razón cínica”, 3ª Edição, Biblioteca de Ensayo Siruela, Madrid, 2006.