Três poemas de Clotilde Mota

Três poemas de Clotilde Mota

I
A dor do universo amar

Morrer por um abraço, não é, querido Amigo,
Uma dor menor, é antes, sabe-se, uma maior dor
Mas, afirmo- vos eu, e não o contradigo
É sempre uma dor, mesmo que seja de amor.

Agradecer a Deus o que dele se recebe, é  a nossa obrigação,
É missão sagrada e omnipresente no jovem e no ancião.
Agradecer é o reconhecer de uma nossa atitude que a alguém agradará,
Rapaz ou rapariga, aquele cujo progenitor sensibilizará.

Meu amigo, o desgosto corrói, está em si mesmo e no porvir.
Não posso eu avaliar a dor impar do seu sofrer
Impar pela dimensão, mas consigo eu entender o seu sentir!

A grandeza do sentir, do gostar, do desejar, do saber ouvir
É sempre proporcional ao pulsar de cada coração e nunca colectivo
E para que não haja receios, já está ela registada no universo emotivo.

16/04/2020
17 horas

II
VEJO-TE

Sob o meu olhar deslumbrado
Pela beleza incomparável
Da natureza, senti mais do que vi
Uma nuvem esbelta
Quase translúcida na sua essência
Elegante de ar distinto mas misterioso.

De soslaio, reparei
Que neste espaço etéreo,
Diáfano, cristalino
Um escultor sem rosto
Suavemente deslizava
O escopro parecendo burilar
Um simples brinquedo.
Visíveis, quase palpáveis pela magia
Do Trompe l’oeil
Eram as marcas
Recentes de um cinzel
Delicado, sensível.
O pormenor, a minuciosidade
A semelhança, o requinte  
Estavam ali representados
O sorriso.
O olhar.
O rosto.
Tudo.
EM TI.

19-03-2020

III
DEAMBULANDO

Deambulo …  só …
Mas deambulo …  só comigo mesma.
Comigo e com as pedras das calçadas
Também elas sofridas, martirizadas
Pelas intempéries, pela erosão própria de um
Tempo intemporal,
Pela incoerência humana,
Que, no torvelinho dos seus pensamentos,
Não recua nem cede perante o vendaval
Que ajudou a construir.

Deambulo triste e cansada
No meio da correria anónima
De um povo que parece não existir.
Mas, aceitando coexistir,
Responde com movimento automático
À pressão de um pequeno clique.
E quer o mais cauto quer o mais chique
Não passa de um ser simplesmente apático.

E eu, esperançada por um futuro diferente
Continuo deambulando
E deambulo …
Só, mas deambulo …  só …comigo mesma.

06/05/2019
22h35