Prólogo para um livro de poemas de amor, Tomás Ferreira

Passei pelo fogo e as minhas obras estão queimadas,
Mas eu tenho dúvidas de estar purificado e justificado.
Não sei a razão das coisas, não consigo penetrar com olho de profeta
No comprido e escuro abismo do futuro sem fundo.
E, no entanto, tenho novas a comunicar, terríveis notícias, quiçá,
Que vozes sem língua me sussurraram ao ouvido,
Angustiadas visões que algum anjo desconhecido
Convocou para purgativo dos meus olhos.
Mas agora, ao sair do Santuário, acho-me
Sob uma maldição e não consigo pronunciar palavra.
Procedi como o velho Zacarias quando a ele, desamparado,
Lhe foi dito ser destino da sua estéril idade ser pai do Percursor,
E, assim, também eu ando por aí feito mudo pela descrença
E, agora que o serviço devido está terminado,
Volto para casa e pego nas tábuas para escrever –
Não o nome da criança mas sim estas canções de tristeza
Para instrução daqueles que se pretendem fazer amantes,
Para que possam estudar a arte do sofrimento;
Para aqueles qu quiserem ser amados – que como maus médicos
Querem inocular o paciente com a doença –
Para que possam aprender a prática da causa pelo efeito;
Para todos os que quiserem ser filósofos ou filólogos,
Um paradoxo para as suas mentes doutrinadas,
Um problema para lhes afligir os juízos embotados;
Para o santo monge, o padre, o Papa e a prostituta,
Para o jovem rico e a pobre velha;
Para o Estalajadeiro, o bêbedo, o jogador e o indigente.
Uns vão rir-se, outros vituperar – Francisco pode excumungar –
A prostituta vai provocar-me na praça pública,
O Estalajadeiro gritará “Namoore!”  e o bêbedo insultar-me-á.
E eu, cria que sou de alguma cruel mãe-ursa,
Ainda não lambido pela doce língua do amor, apenas posso
Ouvir, aguentar, sorrir e, com a ajuda de Deus, perdoar.

Tomás Ferreira