Imagem: A Ponta do Iceberg © Ralph A. Clevenger/CORBIS
Texto do Professor Doutor Pedro Zuzarte, médico, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
O número de infetados com o vírus SARS-COV-2 a nível global já ultrapassou os dez milhões de casos confirmados e mais de meio milhão de mortos contabilizados. Os números relativos à pandemia em Portugal foram, à data, significativamente ligeiros comparativamente aos seus países vizinhos. Ainda assim contam-se já mais de 40 mil casos confirmados em território nacional e mais de 1600 mortos.
Não se atribui valor a uma vida humana. A cada vez que se contabiliza mais uma morte, especialmente as que podiam ser evitadas, demonstra-se sempre uma falha do sistema. Quaisquer que sejam as opiniões divergentes sobre o impacto desta doença no contexto global de todas as outras doenças, deve ser relembrado – e de forma não leviana – que perdemos ao dia de hoje em Portugal mais de 1500 vidas devido à Pandemia COVID-19.
Cada morte representa uma perda irreparável em todos os aspetos; por si só, para os amigos e familiares e para a sociedade em geral. Podermos obter contentamento por não haver maior índice de mortalidade em Portugal por esta doença. Mas nunca poderemos ficar contentes com a perda de vidas humanas, sobretudo se pensarmos que algumas mortes poderiam ter sido evitadas simplesmente com as medidas de contenção adequadas. Não precisamos de justificações adicionais para continuar a luta contra esta doença. Há que manter as recomendações como o distanciamento social, uso de máscara e cumprir com a correta higienização até se conseguir erradicar o SARS-COV-2 de circulação. Este feito só será alcançado em absoluto quando se encontrar uma vacina; entretanto, a nossa melhor arma até lá é promover e cumprir as medidas de segurança decretadas pelas Autoridades de Saúde.
Todavia, contrariamente ao valor da vida humana, consegue-se estimar o valor do impacto económico causado pela pandemia.
Segundo a agência Fitch, a economia nacional deverá sofrer uma contração de 3,9% e o défice público poderá chegar até 4% em 2020. A vida normal como a conhecíamos antes da pandemia não voltará tão cedo. A rotina continuará condicionada até que a vacina e a subsequente imunidade ampliada nos permita levantar todas as restrições que este vírus impôs.
Adicionalmente, temos de estar preparados para a escalada do impacto desta pandemia, que continuará além das consequências diretas da doença ou das restrições de movimento social que já experimentamos.
O impacto da doença entrará numa nova fase, por via da contração significativa na capacidade económica do povo Português. Convém relembrar que todas estas estimativas poderão facilmente entrar numa espiral ascendente se não se conseguir uma contenção mantida na disseminação do vírus. É extremamente importante retomar quanto antes a atividade económica e social; contudo, convém não esquecer que esta retoma terá de ser feita com o máximo de responsabilidade individual. É imperativo manter a disciplina nos comportamentos e atitudes de segurança sanitária para evitar a reativação de contágios, sobre pena de comprometer a retoma que se pretende. O prejuízo económico nunca será nulo dado a conjuntura que já existe, agravada pela modalidade de retoma lenta (mas possível) que se prevê. Contudo, na possibilidade de um retrocesso da situação o prejuízo será incomparavelmente pior. É para prevenir um pior cenário que essa retoma deverá ser feita com muita cautela.
O aspeto mais significativo do impacto desta catástrofe à escala Mundial é provavelmente aquele que não é tão fácil de colocar sobre números, nem de descrever tão facilmente em palavras. Falo das consequências de toda esta conjuntura sanitária, económica e social na nossa saúde mental. A par com a saúde física, a saúde mental é a que confere significado elevado à existência humana, porque o ser humano é um ser social e precisa de conseguir interagir com os seus pares. Saúde física sem saúde mental equivale a diminuir a humanidade do ser humano. Sem saúde mental não se consegue viver uma vida de tonalidade positiva e, pelo contrário, destrói-se a capacidade de viver a tal vida social saudável com as pessoas ao nosso redor, e ao mesmo tempo limitar o que podemos potencialmente contribuir para a sociedade.
Esta Pandemia já nos flagelou de várias formas em termos de impacto psicológico: o luto e sofrimento daqueles que lidaram com a perda de pessoas próximas, o impacto psicológico e ansiedade dos que perderam o seu emprego, os sentimentos depressivos e de angústia derivados do isolamento e distanciamento familiar, a privação da restrição de movimentos, o sentimento constante de medo e insegurança em relação não apenas ao presente, mas sobretudo em relação ao futuro. Temos, contudo, a noção que as repercussões na saúde mental ainda podem estar no início. Tudo faz prever que este seja um caminho que ainda se espera longo, e que continuará bem além do fim da circulação do vírus.
A saída desta conjuntura não depende apenas da qualidade dos serviços prestados pelas instituições de saúde, mas está ligada sobretudo à atitude e contribuição individual de cada um. A importância dessa responsabilidade individual tem de estar gravada dentro de cada um de nós no momento de levantar as restrições. Ela minimizará a duração da Pandemia, bem como o dano económico esperado, e finalmente por consequência o grau de repercussão na saúde mental. Quanto mais cedo for conseguido o fim da disseminação do vírus, algo que está nas mãos de cada um de nós, mais esses efeitos serão mitigados de forma exponencial.
Lisboa, 4 de Junho de 2020