A vida pós-pandemia e a sustentabilidade no futuro, Rodrigo Pereira

Texto de Rodrigo Pereira

Todo o mundo, em 2020, no início de uma nova década, durante 3 meses, foi apanhado de surpresa por um vírus desconhecido, ao qual ninguém tem imunidade e que é muito pior do que uma gripe; mata pelo menos 10 vezes mais, provoca o caos nos serviços de saúde, propaga-se muito mais rapidamente, tem um tempo de vida no exterior do corpo muito maior, evolui para pneumonias também mais rapidamente e em maior quantidade, e desfaz famílias inteiras, dado que o seu ataque não se tem restringido apenas aos idosos.

Assistimos a pessoas fechadas em casa de quarentena e em confinamento, no maior exercício mundial de engenharia social a curto-prazo. Economias a ruírem, comércio e turismo em colapso, milhões de desempregados. Os ramos da aviação de passageiros e dos navios-cruzeiro totalmente parados. E não há saída à vista, pelo menos até haver uma vacina ou cura.

Mas temos que pensar o que isto nos traz de bom, afinal. Os níveis de poluição em todo o mundo baixaram para níveis históricos[1], a natureza e os animais voltaram a aparecer onde há muito se julgava ter sido tudo completamente inviabilizado pelo Homem[2]. É, portanto, muito mau que haja mortes e sofrimento na espécie humana, mas o que é facto que é a evolução natural tornou os seres humanos numa espécie destruidora dos ecossistemas; o nosso modelo de vida e de sociedade envolve a destruição e uso massivo de recursos em detrimento do estado natural dos rios, dos oceanos, do clima, e de tantas milhares de espécies de seres vivos. Estes seres vivos perdem os seus habitats naturais, e nós continuamos a embrenhar-nos pela natureza adentro, com as nossas cidades, estradas e fábricas. O modelo de crescimento económico ilimitado, em função do consumo de recursos naturais (que são limitados, pelo menos localmente e a longo prazo), é obsoleto e perigoso. Não sei quanto tempo faltará para que nos auto-destruamos pela poluição, doenças, epidemias por disrupção excessiva da natureza, falta de alimentos, ou outras catástrofes, nomeadamente de origem climática. A sobre-população e o uso massivo de recursos, que nos leva a uma enorme produção de resíduos a que chamamos de poluição, é possivelmente o principal problema da humanidade e do planeta. É por isso que, por mais cru que seja dizê-lo, este vírus veio também veio trazer coisas boas, e isso parece-me inegável. Mas e o que será da vida pós-pandemia? Acho que há muitas lições a tirar desta pandemia e das restrições que ela nos trouxe num tão curto espaço de tempo.

Parece que, afinal, é possível trabalharmos em tele-trabalho e por videoconferência em muitos casos. Não é o ideal, mas é possível em muitas profissões. Se passarmos a fazer isto no futuro, evitar-se-á tempo gasto em viagens casa-trabalho e evitar-se-á muita da poluição e tráfego rodoviário nas cidades. Isto até nos pode levar a viver bastante longe do “local de trabalho”, e a vivermos no interior do país, ou em vilas e cidades mais pequenas. A Internet é uma grande ajuda neste processo. Esta mudança de paradigma poderia até ajudar a dinamizar zonas que estão a ser despovoadas.

Contudo, este modelo de tele-trabalho não é conveniente para as escolas, nem deverá ser uma solução para a educação em geral. O ensino presencial providencia um apoio mais direto e substancial, assim como o convívio e a socialização com colegas, algo tão fundamental para um correto desenvolvimento humano dos jovens, no ensino básico e secundário ou até mesmo no superior.

A pandemia e o consequente confinamento também nos ensinaram que é possível fazer mais atividades em família dentro de casa, sem necessidade de sair e consumir e poluir. Passar tempo de qualidade com os filhos em família, tempo de que tantos se queixavam de não poderem usufruir, devido ao trabalho, às viagens no trânsito, etc.

Também estamos a perceber o impacto negativo que a aviação tem tido no passado e no presente. São centenas de milhares de voos por dia a rasgar os céus, a consumirem milhões de litros de combustível com um impacto importante para as alterações climáticas[3]. Penso que necessitamos de reduzir a oferta da aviação: acabar com os voos noturnos (devido à poluição sonora), e reduzir a frequência dos voos. Se de Lisboa para o Algarve só temos 3 comboios por dia, então porque é que precisamos de ter dezenas de voos por dia de Lisboa para Madrid ou Paris? Na minha opinião, deveríamos reservar os voos para viagens intercontinentais ou para ilhas e apostar em linhas de ferrovia eletrificada de alta velocidade em toda a Europa, para que o velho continente ficasse unido nas suas principais cidades, utilizando sempre energias não fósseis. É também dispensável tanta viagem de negócios que se faz, quando podemos usar mais vezes a videoconferência. Temos um mundo demasiado global: precisamos de o tornar mais regionalizado, com um fluxo de comércio mais circunscrito a países vizinhos, turismo mais localizado e formas de contacto entre pessoas que envolvam meios mais facilitados, mas com menor impacto ambiental. Isto não significa destruir a globalização e a partilha de conhecimento científico e da atualidade entre os países do mundo todo. O mundo deve-se manter global na informação, na Internet, mas deve regionalizar-se (através de associações comerciais entre países) no comércio para que os bens alimentares e de consumo não tenham que viajar tanto, poluindo durante o seu caminho. Há tantas barreiras que transpusemos: fronteiras, moedas, línguas, culturas, comércio…. Podemos também transpor a barreira do contacto pessoal, mas comunicar com pessoas de outros países mais à distância e diminuir a quantidade de viagens que se fazem ao exterior. Precisamos, em suma, de pensar e consumir mais localmente, seja a nível nacional, ou internacional com países vizinhos.

O vírus também nos vem mostrar o quão precisamos de confiar na medicina, e em geral na ciência, para soluções para a humanidade. Não há lugar para pseudociência, dogmas religiosos ou outras crendices como as mezinhas não comprovadas, a auto-medicação ou a desobediência de quem acha que sabe mais do que aqueles que se intelectualizaram e estudaram.

Por tudo isto, é uma boa altura para descartar certas tradições que vão contra a ciência: as tradições de mutilação genital feminina e masculina, a violência explícita em tantos livros sagrados, o racismo, teorias que se opõem à ciência moderna, etc. Precisamos de confiar na ciência para diminuir preconceitos e ideias falsas. É preciso pôr de parte de uma vez por todas ideias ultrapassadas como as de que vacinas causam autismo, ou que a divisão da espécie humana em “raças” tem uma base biológica, ou que as minorias sexuais (LGBT+) são um perigo para a sociedade, ou que é uma escolha, um estilo de vida nefasto ou uma doença, ou que o aquecimento global não é real, quando a ciência já desmentiu tudo isso, com base em investigação e factos. Apenas o modelo científico, aliado ao pensamento crítico, à construção de provas para chegar a factos, nos faz avançar. Não digo que tenhamos que descartar as religiões e as tradições, mas advogo que descartemos todas as coisas que já não fazem sentido no século XXI. As religiões precisam de se atualizar e abandonar costumes, opiniões e rituais que tenham consequências nefastas para a liberdade e para o progresso humanos, o que em nada impede que continuem a trabalhar na procura da espiritualidade humana, na caridade, no bem-estar e no desenvolvimento de um espírito comunitário em muitos locais. A ciência permite-nos progredir em avanços na medicina, formas mais eficientes de produzir alimentos e bens, tornando a experiência humana menos sofredora, com base em práticas e factos.

A pandemia mostra-nos também que não precisamos de consumir tanto: seja alimentos, combustível, roupas ou tantos outros bens e serviços fúteis. Também não precisamos de produzir desenfreadamente. Precisamos de pensar que empregos teremos no futuro, porque muitos dos que temos servem apenas aos interesses atuais do crescimento económico tendencialmente sempre crescente, mas irrealista e prejudicial a longo-prazo se as gerações seguintes continuarem com o nosso modo de vida.

A pandemia mostra-nos que precisamos de proteger mais os idosos, e aprender com eles, bem como proteger os pobres e as minorias. Precisamos de ter sistemas de saúde públicos e nacionais capazes de responder a catástrofes de forma coordenada e sem priorizar em absoluto interesses económicos, para o bem das nações. A pandemia mostra-nos que é possível unirmo-nos e agirmos enquanto humanos e comunidades em prol de um bem comum – a sociedade -, mostra-nos que ainda há solidariedade e empatia, que nos protegemos uns aos outros. Então, será que não nos deveria ser imediato agir rapidamente em prol do ambiente e da qualidade das águas, solos, céus, florestas, aves, animais aquáticos e terrestres? Só basta que olhemos para o mundo como a nossa casa, uma casa onde estamos confinados, e que temos que manter habitável e higienizada, para que as próximas gerações prosperem, ultrapassando muitos dos problemas que a nossa espécie (e outras) ainda enfrentam.

13/04/2020


[1] https://sciencebusiness.net/covid-19/news/covid-19-cutting-air-pollution-it-will-not-slow-climate-change

[2] https://www.telegraph.co.uk/travel/news/coronavirus-nature-environment-swans-venice-clear-skies-china/

[3] https://www.dw.com/pt-br/qual-%C3%A9-o-impacto-ambiental-das-viagens-a%C3%A9reas/a-42118916