O rio, José Maria Pinheiro de Souza Neto

Era 1776. Num bosque. Numa aldeia, perto de Sintra, num rio para onde descem as águas da cascata.

I

Adiante, além da floresta desconhecida, encontra-se um vale, onde descansa um rio cansado. Ali estava eu, deitado com um livro, debaixo da árvore de cachos bem vestidos. Uma sombra sadia rodeada de relva crescida.

Naquele rio limpo, sem mosquitos ou libélulas, sem borboletas ou sapos, sem abelhas ou mariposas, eu fitei uma alva mulher a banhar-se. Seus cabelos penteava nua.

Levantei-me, pois incomodava-me sutilmente o calor; minhas roupas eu despi. Ela me chamou para lá, para no rio me banhar junto dela.

Dizem que as águas do rio são como olhos de águias que enxergam tudo, e, se beber a sua água, serei lembrado do caminho de volta.

Na floresta, havia o acesso de uma trilha, mas cresceram novamente as folhas e a relva. Agora, era uma floresta desconhecida. Mata viva e aberta.

É verdade, fui encontrá-la; encontrei a lenda que cantavam e esqueci-me ali. Horas fitando a beleza da natureza, quando me surpreendi com a beleza daquela mulher.

Ela era alegre, e não cantava. Disse-me «venha», seduziu-me com o olhar direto, branco, sem distrações; não olhava para meu corpo ou cabelos, e eu não a olhava na sua nudez.

Ela, que dava sinais de existência, não dizia muito a não ser «venha». E necessitei esquecer do livro e do conforto das roupas que protegiam da sujeira. Retirei e abandonei tudo sobre a sombra.

E, lentamente, cuidando para não me afogar, caí no rio. O frio arrepiou-me a pele, não mergulhei; raso caminhei em direção a ela.

Ela me viu e, assim, afastou-me de mim. O rio ficou nervoso, arrastando-me lentamente ao caminho mais frio e fundo. Meus pés pouco davam pisada, e afundei-me num longo mergulho.

Aquele mergulho revigorante abriu-me sede; bebi a água do rio, e tudo lembrei. Fui levado pela memória, esqueci-me na correnteza de lembranças. Quando dei por mim, assim que levantei a cabeça para respirar, estava num lago. Aquela mulher crua estava esperando por mim.

Perguntei seu nome e ela me disse que se chamava Verdade; que às vezes fugia e às vezes se impunha sem educação. Abracei-a, e ela me disse que do lago da memória nunca sairia.

E, com um beijo, Verdade revelou-me a paz. A Verdade me disse que não poderia permanecer e saiu nadando, deixando-me só; mas, agora que sabia de sua existência, poderia procurá-la ao beber da água do rio no meu cantil. Finalmente conheceria o desconhecido, enfrentaria a floresta e voltaria para casa.

II

Foi assim o início que teve meio e fim: e o fim amargo foi tragado pelo cantil, água morta que ardeu a garganta como álcool cortante e embriagou-me em aridez, neste momento deitado na poltrona de minha sala, enquanto subiam as veias de fumaça, desprendendo-se do fornilho de meu cachimbo. Solucei, e o rubro das bochechas sinalizava uma bebedeira.

E, diante deste forte e último trago de memória, alojou-me em mim o esquecimento, um bicho como as traças que apagam palavras dos livros., que moveu-me a esquecer fatos da Verdade. Não lembrava mais sua clara face, e tu derreteste em minha lembrança, tu que tornaste a virar gêmeas e foi se multiplicando. Uma mais feia que a outra. Eram todas lembranças que existiam, e, naquela noite de embriaguez, escolhi dormir com todas; cada uma foi diferente da outra. E cada uma não dizia seu nome, mas o seu.

«Verdade».

As verdades faziam minhas vontades, cada uma em sua particularidade entre nuvens que se multiplicavam com a mesma velocidade de amantes, criando-se a si mesmas no céu. O teto nublado afogava e minha visão embaçou. E choviam teorias e ideias, e, das verdades, aproveitava e aprendia o que queria com cada uma.

Antes, fios de fumaça; agora, pequenas nuvens de imaginação desciam do teto e neblinavam a sala. Sem enxergar bem, existiam verdades boas e verdades más; as más eram difíceis de enxergar e fáceis de sentir, e as boas mais luzentes e de tato difícil. Umas me abraçavam , outras me cantavam beleza.

Os vizinhos da aldeia deviam pensar que minha casa tomava fogo de tanta fumaça, e as labaredas logo apareceriam: eram os índices de minhas paixões, que subiam e esquentavam tudo em volta, e pareceria que as outras casas assim como a minha viriam abaixo. Mas a minha casa, de nuvens de fumaça, crescia, e a densidade das nuvens se fez mais fraca que o teto; porém, elas aumentavam de quantidade, uma atrás de outra. As raízes da sólida fundação cederam, e subiu a casa pela força das nuvens.

Flutuando no céu de noite de ciano.

Nessa fumaça nebulosa de imaginações dormi.

III

No deserto, no fim de uma miragem, passando as ralas árvores do oásis, o homem descansou na amplitude da sombra de uma clepsidra.

Era um jovem que escutou Tales, que dizia: «faça três desejos enquanto ainda há tempo, antes da água se esgotar, pois diante de tal objeto tudo pode se recordar».

Cansado da longa viagem, o homem, no primeiro dia, dormiu. Acordou maduro.

Quando acordou, o sol virou um pêndulo que refletia a água caída. Sem dormir por dias, em agonia, sempre uma gota de cada vez caía.

Aprendeu que em cada gota da memória uma previsão estaria; mas o que perguntar o homem não sabia. A água morta, parada era um cristal claro, e as últimas gotas caíam.

No que errei? No que errei?

Exclamou o homem, enquanto caía a evolução dos danos. Seu corpo agora era velho, e lembrava de tudo, e sua barba era longa.

Se existisse o Tempo, que lembrasse dos erros, ele os corrigiria; mas como saberia o que era erro?

A verdade sempre atrasada chega: eis o alicerce da vida, lhe diria a Clepsidra, agora que os olhos do velho eram quartzo, e seu corpo se tornou estatueta de mármore.

Assim voltou a chover, fragmentando o corpo de calcita. Eis o ensinamento da clepsidra: ela repetia, «em nada, em nada, eis a tua vida».

IV

Acordei no trono manchado de sangue noturno de Morfeu que me caiu como penumbra. Meus olhos manchados de óleo eram difíceis de abrir. O cheiro do chorume negro atordoava-me numa mitologia utópica e o ufanismo petrolífero ainda dormia para a realidade: meu quarto úmido.

     Ó tropical, ainda sonhando ?

Ouve-se a voz da criatura que se aloja sobre o meu quadril. Sem espaço para gritar, membros paralisados, ouvimos a sombra repetir…

«Gostas das gotas de chuva? Ácidas caem sobre o teu teto. Chamo-as de ressentimento, raiva por não serem reais; a imaginação age pior que os sonhos. Os sonhos de Morfeu são reais, são previsões, vidências.”

     Acordo?

Cortaram a trilha com peixeira, talos, estrada húmida. Ouviram os pássaros sem canto que batiam as asas, voavam como um enxame de morcegos, mas o sol da tarde, meio-dia, era duro.

E a cada passo havia barulho, as folhas partindo. E morreram aos poucos: um, dois e quatro; restou apenas um homem, o letrado. Ele tateava as árvores, uma aspereza por vez, e, quando viu as sequoias, não se desesperou.

Andou sem bússola. Descobriu relíquias, um portal de uma civilização antiga, um grande totem, uma porta. Então, dormiu.

De que vale o tostão dourado
Escondido e enterrado
Se não é descortinado pelo arado?

De que vale a peça
Se for impeça
Na realeza da cabeça?

De que vale a glória outorgada
Festejada e celebrada
Se não for recompensada?

De que vale tudo
Se tudo não é meu?

Perguntava-se o homem letrado, fascinado com o ouro de Montezuma, enquanto sonhava, longo sono da espera, da liberdade. Ele então descansou no rio enquanto as índias da tribo o banharam. Morreria ali comendo mangas, viveria o sonho.

Veio o terremoto que afundou o ouro. Naquela noite não dormira; acordado saltou para o rio. Mergulhou fundo e viu todo o ouro desaparecer, sumindo como fumaça. E, quando voltou à superfície, não havia mais cidade. Suas rugas e cabelos brancos brilhavam no espelho d’água. Então, levantou-se e tornou-se um garimpeiro, à procura do ouro na água.

Um dia húmido, as árvores caíam uma após outra. Mergulhou depois de tossir o tóxico. Sangue. Ele caiu no rio, e achou o ouro na mandíbula de um crânio.

O crânio partiu-se e ele comeu o ouro. Nada podia fazer senão pensar se havia mais ouro ou outra cidade dourada.

Uma gota de suspense, de volta à realidade; essas gotas que caíam em meus olhos eram o sumo de minha memória esfarrapada. Abri a boca, soltei a língua para que, como flocos de neve, perfurassem as papilas com seu gosto ácido.

A casa desce.

Sujo de cinzas do cachimbo molhado acordo. É Morfeu no canto da sala.

V

O anúncio temeroso ele cantou.

«Sobre o que tudo descansa
Em letras, em palavras
Sons cansados que cantam
No que aprendi não tive total êxito
O andarilho imperfeito
A memória que traz o que almeja
Seletiva e medrosa
é o esquecimento.»

Assustei-me, e perguntei à tenebrosa figura:

«O que queres me dizer, o que queres de mim, o que almejas do medroso homem?»

E Morfeu nada me disse. Os sonhos atormentaram-me em sua lucidez: eram reais.

Enquanto as últimas palavras dormiram, acordei e a areia espantei para longe. Morfeu sumia nas sombras e minha casa recuperava o frescor. O vento suave rodeava a sala, era Primavera.

O sol levantava-se e abraçava o campo. O cheiro de rosas e túlipas campestres, cada uma mais saborosa, eram como um banho de frio no verão.

Muito daquele encontro teria resposta, e a sede esqueci.

Passei o verão catatônico.

VI

Numa bela tarde de outono, sentado na poltrona, esperando a hora de sair de casa, tomava café e comia pão com manteiga. Amolecia-o banhando no café. Gole por gole, pedaço por pedaço. Cheirava a café.

Gentilmente se deitou nos meus ouvidos o que tinha pavor de ver: esses anos, esses anos se foram todos sob o som do pêndulo.

Vinha essa previsão rotativa, de uma artefato feito de madeira que, se não me engano, repetia: «o que era do passado em breve se tornará cinzas. O presente continua morno dentro duma xícara de café».

Percebo que a memória colapsada não supera a falta da evolução das batidas, uma à direita e, depois, à esquerda, como compasso, metrônomo do tempo que agora ficou sem hora, sem minuto inteiro deixou apenas o grito mudo da tela de cristal partida.

Eis a morte do meu velho amigo, um velho relógio de cuco de mogno com o pêndulo enferrujado. Sem capacidade de contar o tempo, tomo café amargo, e, assim que acaba a xícara, eu decido se parto.

Descoberta minha nova habilidade de fazedor do tempo. Não murmurei, não havia nada para recordar. Foi quando cantou o galo que eu chorei.

De repente, o tempo mudado não tinha pressa, e me vi ali, na mesma sala, vários. Eu, o desmemoriado, me vi, cada um Eu em cada canto da sala: sobre o tapete, olhando pela janela, num canto, num berço. Eu me vi por inteiro.

Como sabia que aquele velho a fitar além da janela a paisagem rememorava a Verdade. Não sabia como sabia que aquela criança no berço serena a dormir era eu: ou jovem leitor ou infante com o brinquedo.

É estranho como a familiaridade é um conhecimento inato. Uma estranheza sutil e íntima.

Levantei da poltrona e beijei a testa do velho, sem coragem para perguntar por que tão sereno e confiante ele estava, um contemplador com a missão cumprida. Carreguei o bebê no colo. Ele acordou e fitou-me curioso, com olhar duvidoso; não sorria mas não me estranhava, e me senti verdadeiramente próximo a mim mesmo, com aquela mesma expressão de dúvida.

«Como cheguei aqui?”: era a mesma pergunta que tive medo de fazer ao velho, eram as mesmas sobrancelhas arqueadas. O bebé segurou-me o dedo, apertando-o, e dormiu.

O jovem leitor segurou meus ombros; virei-me e dei-lhe um abraço. A criança correu para me abraçar também. Ela me cutucou a perna e me perguntou: «como é ser grande?». Não soube responder.

Segui o jovem que se afastava saindo da sala e entrando no corredor, uma visagem que se confundiu com as sombras, e, quando dei por mim, estava em frente do espelho.

Minha imagem, meu reflexo percorreu minha espinha num grande arrepio. E arrependi-me de uma verdadeira contrição. O tempo sou eu que faço, mas o que eu faço com meu tempo. Levei-me a flutuar por uns meses em nuvens de imaginação, sorvendo as gotas de rancor, e deparo-me comigo mesmo, tudo por causa de uma grande confusão; eu confundi as verdades com falsidades, não enxergando as verdades das verdades.

Contemplando-me a mim mesmo, eu era um conhecimento da Verdade, era eu seu amante; serei ainda fiel?

Voltei para a poltrona da sala, onde fumei meu cachimbo, e as veias de fumaça arranhavam o ar. Foi quando imaginei o que seria se uma das verdades batesse em minha porta; mesmo que fosse a Verdade falsificada, esperei.

VII

Eu trilhava o caminho das estradas neblinadas de meu cachimbo, que subiam no céu, dissipando-se lentamente, matando minhas crenças que caíam do ar como a chuva das vielas de fumaça.

Imaginava novamente o rosto daquela criança que, despoticamente, sentenciou-me a inércia do medo.

Os meus demônios dominam as línguas alheias do vilarejo. Trancafiado na casa, escuto palavras que valem uma centelha de um mel ácido, mareado de sonhos efêmeros e descuidados, eles que diagnosticaram pomposamente a nossa igual miséria, o estado inerte.

Estou, pelo menos, francamente, esperando algo, repetindo um ritual que não chama nada; estou sozinho, e sozinho me obrigo a escutar-me.

Escuto a voz frequente de minha consciência, um garoto de 7 anos, que, entretido com a vida, não faz grandes perguntas; mas apenas uma ressoa obsessivamente no fundo de uma oca caverna, criando imagens, criando dúvidas.

«Como é ser grande?»

Se fosse grande, poderia agir conforme meu desejo; se fosse grande, levantaria de minha poltrona, e tudo o que fizesse teria alguma relevância.

Como é ser grande?, apenas tocar no teto, e concluir que é finito e que estás preso naquele quarto, é constatar que você não pode voar. Aquele quarto é apenas a sua mente que sempre te aprisiona. Se fosse grande, eu levantaria de minha poltrona ociosa.

Levanto da poltrona. Ouso caminhar a porta, e lembro que espero a Verdade vir, e que nada posso fazer senão esperar o tempo de ela inclinar o punho, batendo lentamente na porta.

Estou enjoado de fumar, as náuseas me causam dor de cabeça.

O tempo passa e estou envelhecendo. Isso me causa angústia. Abro um livro aleatório, e aleatoriamente sorvo uma página. Leio.

VIII

«A estepe

Estando a imitar os degraus dos mestres
Na estepe, aprendiz não se reconhece
Perde-se nos fluídos de sabedoria
Racionalismo, no frisson se esquece
da borboleta a plantar na folha
Escapando assim que o flerte é descoberto
Quisera também voar o conhecimento
Quando as perguntas crescem

O mestre disse apenas o que lhe perguntaram
Mas o que lhe perguntam agora era a surdez
Mudo, jovem percebe que a estrada é bifurcada
E a chuva e o frio não eram da casa abandonada
E empiricamente sofre o Jovem quando na terra estrangeira
O azul não é do mesmo tom ciânico
O céu é vermelho, e os rios verdes
Chora a hora de seu abandono

O mestre ainda vive, basta procurá-lo
As respostas são muitas
De volta na estepe, sentado à luz lunar
Um teatro de sombras
Apenas um grande jogo,
O presente: engano.

Sonhar é voar de volta a realidade
Apenas uma subjetiva verdade
Estando de fora qualquer cogitação
Não ajudará o obreiro que chora
A tempestade que destruiu a telha de latão

E, assim, por mais que permaneça de pé,
Terremotos externos criam cismas sísmicos
Na casa habitada ad eternum, sua alma
Esquece o Mestre sem perder a influância
Confundindo-se à borboleta  que pousa na janela

O que deve é um dever da evidência
Enxerga o que pode ver
E assim é, ao ser apenas o momento
Não perde, mas ganha o imenso rodeio

Ao acordar o jovem já é calo
Nos pés e nas mãos rugosas
Ele se senta uma hora
Constrói uma casa perto da nascente
Dorme quando tem sono
Sonha quando lembra

Assim que acordaram o jovem
A porta era fechada e somente a bateriam
Com sede e fome crianças que pediam
“Quero ser como uma borboleta que atinge o céu quando quer.”
Ouvindo a resposta, para na estepe dormirem
Pois: “Quem crê vive!”
“Me escutem assim que cair o luar e o sol levantar”

Sonhando todos à luz de velas não imaginam
O jovem que é mestre e que a borboleta no céu dança
Continuam assim em eterna música , descansando no sono.»

IX

Acordei de um sono.

Era noite. Acendi as velas, procurei minhas chaves. Como um estrangeiro numa hospedaria, minha casa me era estranha: quando acordei, todos os móveis estavam em diferentes lugares. Vi pela janela minha poltrona no jardim; meu cachimbo estava partido, minhas cadeiras espalhadas e, na minha frente, no corredor, uma mesa impedia a passagem.

Subi na mesa, dancei a canção do alívio, contente era dono de mim. Debaixo da tapeçaria da porta, não encontrei minha chave, mas um molho de chaves.

Cada chave possuía um formato diferente, e via-se que algumas eram mais antigas que outras. Algumas nunca havia notado, algumas nunca havia conquistado. Eram chaves de diferentes civilizações. Será que abriam para o passado ou para o futuro?

Tentei primeiro a chave de ouro, que entortou. Depois, a de bronze, que derreteu. Uma de pedra que quebrou. E todas se encaixavam e possuíam o mesmo segredo.

Somente quando todas as chaves se perderam nas tentativas, descobri que a porta estava aberta.

Saí de casa sem tralhas, sem botas, sem casaco, sem chapéu. Nevava. Nunca havia vivido uma nevasca. Pensava que era impossível.

Sem poder enxergar, andei sem esbarrar em nada, contra o vento resisti, até que senti pousar sobre mim a madrugada. Neste breu branco. Nesta noite aguardada, eu sozinho me amava, em movimento à procura de algo.

Não existia frio.

Subi num grande pinheiro em que esbarrei, e, do alto, enxerguei a cidade e suas luzes, as estrelas. Um vento me levou voando como uma folha de outono.

X

Não sei como tudo isso aconteceu, mas aconteceu, e não morri.

Quando dei por mim, estava de volta no rio; era verão. Estava velho, e descobri que não saberia o que é ser grande, mas somente o que é gratidão.

Ali, naquele rio, me joguei nu, e nadei sem me afogar; nadei além das cascatas, dentro de uma caverna encontrei o que mais desejava.

Aquela mulher que amei não passava de um rito de passagem, e vi a real natureza da Verdade. Uma bela estátua de mármore que, nos dias de verão, atravessa como luz e apenas luz para banhar-se no rio.

 

José Maria Pinheiro de Souza Neto