«A esperança é um negócio.», foi o que ouvi dizer, uma vez, no bar do Hugo. Eu estava com os cotovelos apoiados no balcão, e o Hugo, depois de tirar duas médias do congelador, olhou para mim e disse:
– A esperança é um negócio, André.
Poucas pessoas podem afirmá-lo como o Hugo, acreditem. Nos assentos do balcão do seu modesto bar já se espalmaram as nádegas de alguns músicos, escritores, idealistas, místicos, entre outros exemplares daquilo a que ele gosta de chamar «o artista falhado». Isto é, tipos que ainda não bebem para morrer, mas para se manterem vivos.
Certa noite, no banco ao lado do meu:
– Eu até cheguei a dar aquele concerto no Avante, lembras-te? – perguntou o Afonso.
– Acho que sim.
– Eh, pá… Aquilo é que foi… Tipo, se o dude do estúdio nos tivesse ligado como prometeu, André… Eu podia ‘tar a tocar no Musicbox agora mesmo!
Três médias depois, o Afonso prestou-se a agendar um concerto para semana seguinte. Por que não reunir a velha banda? Por que não naquele momento? Lá agarrou no telemóvel e fez umas cinco chamadas. Só lhe atenderam uma. Foi o baixista. Não, ele não estava numa de reunir a banda. Trabalhava agora num call-center e estava quase a chegar a supervisor. Prioridades: cada um com as suas, não é verdade? O Afonso desligou a chamada e pediu mais uma média.
A tese do Hugo era simples e intuitiva: só os vendedores das comodidades essenciais é que não capitalizavam da esperança; a esses cabe-lhes o mercado da necessidade, no sentido mais fisiológico da palavra. E é fácil confirmar a tese do Hugo. Basta uma tarde de domingo num centro comercial e um espírito empirista. É só olhar para as montras, entrar, e lá está ela: a nova colecção de Outono! E por que não também um perfume para substituir o antigo? Ou um suplemento vitamínico, para a pele e para o cabelo? – sim, daqueles que os médicos não conhecem; um autêntico segredo guardado durante milénios, agora embalado na montra do Celeiro. E não, o negócio da esperança não se esgota na estética – há também os entreténs. Os gadgets que nos mostram o mundo, e os livros que nos salvam a vida. 12 Regras para a Vida? Sim! A salvação está na montra da Bertrand e custa só dezasseis euros. Comprem o livro, a sério. Comprem o livro e leiam-no. Não se esqueçam de sublinhar e de tirar notas. Tornem-se numa melhor pessoa e agradeçam a Jordan Peterson. São muitas as maravilhas desse cantinho tão maravilhoso do mundo: o centro comercial. É só comprar e sentir; um gajo sente-se realmente melhor, digo-vos. Sente-se como que equipado para a posteridade. Mais bonito. Mais cheiroso. Mais culto. Mais confiante. Capaz de amar o mundo. Esse mundo que nos declara amor eterno quando saímos do centro comercial, e que nos parte o coração dois dias depois.
Mas voltemos ao bar do Hugo, que foi aí que isto começou. Lá na casa, o negócio decorre sobre moldes semelhantes aos do centro comercial. A diferença, por mais leve que seja, está no modo como a esperança é estimulada no comprador. Cerveja e bons conselhos; a receita é simples e resulta sempre comigo.
– Ó André! ‘Tou-te a dizer! – exclamou, numa certa noite, o Vítor – Quando eu tentei publicar a minha cena, nem sequer vi o meu nome no ‘mail! Mas o teu ‘tava lá, não ‘tava?!
– ‘Tava, ‘tava…
O Vítor convenceu-me de que é só uma questão de tempo. Afinal de contas, o livro que submeti para publicação põe o Trópico de Câncer a um canto! Só que ainda ninguém o sabe. Ainda…Quanto ao Vítor: gajo porreiro, mas não escreve lá muito bem. Não me admira que nem tenha visto o seu nome no e-mail de rejeição. Pelo menos eu tive lá o meu, isso é verdade. E, vá, é possível que, numa das muitas editoras para as quais enviei o livro, esteja um pobre coitado a coçar a careca e a pensar: “Como é que ainda ninguém descobriu este gajo?”.
É só uma questão de tempo, como diz o Vítor. Posso ir pedindo mais umas médias enquanto espero pelo sucesso. E talvez comprar um sobretudo novo, que bem estou a precisar.
André Fontes