Lamúria sobre os seus sofrimentos, Gregório de Nazianzo

Imagem: Pollock Afonina, Kirill Belozersky, 1998.
Tradução de Duarte dos Anjos.

    Muitas vezes, porque sofria grandes males,
Culpei Cristo Rei; Pois um Rei suporta
Solenemente o murmúrio falado nas bocas servis do súbdito,
Como um pai nobre ouve pacientemente.

    Muitas vezes as palavras públicas do seu filho insensato,
Por esta razão também tu, Deus Gracioso, permite as minhas palavras
Que o coração entristecido te enviará, ó mais gracioso.
Porque gritar a angústia do peito é um pequeno remédio.
Cristo Rei, porque me destróis com estes males vindos de cima,

    Desde que escorreguei da minha mãe para a terra mãe?
Se não me prendeste no ventre oco,
Então porque é que fui atacado por males, tanto no mar,
como pela terra, tanto por inimigos como por amigos,
pelos piores governadores, por estrangeiros e por nativos,
em público ou secretamente,

    Com rumores inconsistentes e com banhos de pedras?
Quem contará com excelência todas estas coisas?
Apenas eu sou reconhecido por todos, não por ter excelência sobre os outros
Na fala ou na força das mãos, mas por causa das dores lamentosas que me cercam,
Tal como os cruéis cães circundam por todos os lados o leão,

    Lamentável canto no oriente e no ocidente. Talvez acontecerá isto:
algum homem libertando o espírito nos festivais ou algum caminhante,
ou alguém que arrasta os dedos pela cítara de boas cordas,
quando a música deixar de tocar, conhecendo os meus suplícios,

    Lembrar-se-á de Gregório, o qual a pequena cidade de Diocesareia,
na Capadócia, o viu crescer.
A uns concedeste imensas riquezas laboriosas.
A outros, bons filhos; um é bonito, e nobre o outro que é orador.
Porém, [a mim deste] fama por causa dos meus sofrimentos;

    Esvaziaste da tua doce palma para mim todas as flechas amargas.
Sou um outro e novo Job; mas não [tanto] pela mesma razão. 
Pois não me envias para competir numa batalha, ó abençoado,
tal como algum nobre adversário de um combatente rijo,
confiando na força, de tal modo que ofereças prémios e glória ao vencedor.

    Da minha parte considero que ainda não sou tão grande
que a glória chegue às [minhas angústias].
Mas assim cumpro a pena da minha ofensa. 
Que pecado na plenitude [deles], pergunto,
Te ofende mais do que os outros.
Confessarei todas as coisas que estão presas
dentro da minha mente. Pois talvez se a história não for contada, arrancará o crime.

    Pensava — quando te recebi como meu único destino,
ao mesmo tempo lançando todas as coisas da vida
para o mar e para a lama, e atirando a mente exaltada,
aproximando-me da Tua Divina Natureza,
pus de parte a minha carne e a lei guiou-me
– que era mais poderoso que tudo,
e que cortava todas as coisas acima do céu com asas áureas;

    Isto acumulou uma terrível inveja de mim,
e pregou-me a coisas terríveis e a angústias impossíveis de escapar.
A tua glória elevou-me aos altos,
e a tua glória despenhou-me para a terra.
Zangas-te sempre, ó Senhor, com grandes arrogâncias
Ouve isto verdadeiramente, memoriza para todos os que serão:

    Povos e líderes, os que são odiosos e os que são favoráveis,
não desprezei o caro trono do meu magnânimo pai;
Não é possível, nem decente, resistir às leis de Deus.
A lei deu-lhe a ele, e eu lancei sobre as mãos velhas
As (minhas) mãos jovens, e cedi às preces do pai,

    Do meu pai, (ele que) foi honrado por um que, estando longe do rebanho,
respeitava o grisalho e o brilho do espírito de igual idade.
Mas depois disto, agradou ao guia da nossa vida,
Que eu testemunhasse aos outros e aos estrangeiros o Logos e o Espírito,
Por pastagens selvagens e espinhosas,

    Sou uma pequena gota, mas edifiquei muitos povos.
E agradou-Lhe enviar-me deste ponto para trás,
refazendo os meus passos, subitamente
dissolvendo-me com uma doença terrível
e penosos sofrimentos. A ansiedade é o veneno do homem.
Durante pouco tempo fui ajudante dos meus membros,

dando-lhes um excelente auxiliar, uma siringe pastoral,
para que nenhum inimigo ataque as minhas ovelhas sem líder,
[para encher] de comida a sua barriga desavergonhada.
    Mas quando os líderes se inquietam,
e povo inquieta-se com o desejo do líder
e com as feras amaldiçoadas.

    Eles têm um coração insensato separado do pensamento,
Imaginando Deus cravado nas entranhas humanas.
Muitos murmuraram sobre os meus sofrimentos inacreditáveis,
diziam ou o pensavam que, na minha insolência,
não respeitava o povo temente a Deus.
Manifestava a minha aflição a Deus.

    Por outro lado, muitos julgaram-me
pelos (seus) sonhos noturnos,
o desejo é verdadeiramente pintor, ilustrando muitas doçuras;
Ou Deus desvendou isto, concedendo-me um nobre final,
para que não fosse domado com esperanças dolorosas,
enquanto preparava a maldade final da vida.
Por causa disto curvei o pescoço,
eu, cativo, caminho sob a tua poderosa mão.
Que a justiça preocupe a outros.
Nenhuma vantagem houve para mim
Estando a (minha) vida em julgamento.
Agora, Cristo, que me leves até onde desejares.
Fui batido pelas agonias. Sou um profeta desgastado
No estômago de uma baleia.

    Entrego-te o resto da minha vida.
Mas tem piedade durante (o) pouco tempo enquanto respiro
porque me persegues com tantas agonias?
Não morreste apenas para os bons, ó Deus,
Quando caminhaste pela terra (o grande milagre,
Deus-homem tingiu as nossas almas e corpos com (o seu) sangue),
Nem sou sozinho o pior dos homens.

    Concedeste glória a muitos piores.
Há três famosos coletores de impostos nas tuas escrituras,
o Grande Mateus, e aquele que derramou lágrimas no templo,
e também Zaqueu: Que eu seja o quarto!
Há três paralisados, o que está acamado,

    O outro que está junto à piscina,
e aquela que o espírito possui; Que eu seja o quarto!
Três viram a luz depois (de serem) cadáveres,
como comandaste; A filha do arconte,
o filho da viúva, e Lázaro meio-destruído
devido ao sepultamento. Que eu seja o quarto!
Agora, que eu tenha remédio para as dores,

    e depois vida eterna, ó excelente, regozijando imensamente na tua glória.
Liderei o rebanho pio, se for libertado,
que arranjem um pastor melhor.  Se igual,
que seja inferior nos sofrimentos, ó bem-aventurado.
Pois não é decoroso que aquele que afugenta as doenças sofra agonias terríveis.


[Poema grego original em Carolinne White (ed.), Gregory of Nazianzus: Autobiographical Poems, Cambridge, Cambridge University Press, 1996.]