Fotografia por Sofia Pereira e Teresa Teófilo.
Nos últimos tempos, na nossa comunidade académica (se bem que o fenómeno está longe de se restringir a este meio) tem-se assistido a uma progressiva polarização e extremização das posturas do indivíduo perante a sociedade e a cultura. Vê-se, por um lado, as pessoas sérias a levar tudo cada vez mais a sério, e, por outro, os ironistas a levar cada vez menos a sério coisas que deveriam importar. Os primeiros vão perdendo a sensibilidade dialéctica, juntamente com o sentido de humor – elevam as suas duas ou três causas de eleição ao pedestal do Absoluto, e defendem-nas com unhas e dentes contra os heréticos que ousam declarar uma opinião divergente ou, pior ainda, lançar uma piada; os segundos, ébrios da ideia de Absurdo, não vivem para outra coisa (nem poderiam) senão para escarnecer os “outros”, os supostos ingénuos que ainda acreditam em conceitos arcaicos, mofentos, como “causas”, “valores” e “critérios”.
Perante este cenário, torna-se difícil realizar um trabalho simultaneamente sério e independente de partidarismos (seja qual for a natureza desses partidarismos: política, social, estética, metafísica etc.). Quem tentar tal empresa vai achar-se num complicado exercício de funambulismo, a ter de manter o equilíbrio enquanto ventos fortes sopram de cada lado, procurando derrubá-lo. E é tão fácil ceder e deixarmo-nos cair… para o lado da perspectiva unilateral que já vem pré-equipada, para nossa comodidade, com os argumentos a seu favor e com as respostas aos opositores, ou para o outro, para a doce abnegação do cinismo que varre todos os juízos e decreta que tudo vale o mesmo, isto é, nada.
Esta última opção é, em particular, diabolicamente aliciante. Afirma-se “Deus está morto, tudo é permitido, tudo é relativo, por isso cada um faça o que lhe der na gana”, e fica tudo tão mais fácil. O escudo da ironia torna-nos imunes à crítica (conceito afinal obsoleto), e livra-nos do fardo de termos de suar para produzir algo de valor. Assim, deixamos de escrever ensaios para passar a comunicar ideias por via de memes; deixamos de reflectir seriamente nos juízos que consideramos justos, para passar a manifestar-nos através de shitposting. Trata-se, contudo, de um canto de sereia que apenas leva a um beco sem saída cultural: como diz David Foster Wallace, ao abandonarmo-nos à ironia existimos em negativo – apenas nos manifestamos através da destruição mais ou menos sarcástica de construções pré-existentes, incapazes que somos de assumir o compromisso que qualquer nova construção requer. No fim, a autocomplacência na ironia e na constatação do absurdo não produz nada a não ser a inflação do ego de quem a pratica, julgando com isso ter chegado ao nível máximo do conhecimento humano, isto é, o conhecimento da sua ignorância. Não passa de vaidade disfarçada de socratismo.
Por tudo isto, continuaremos o nosso exercício de funambulismo. Acreditando que o campo das letras ainda constitui matéria séria, fértil e com valência independente. Conscientemente ingénuos em relação à esperteza da pós-modernidade popular. Isso tornar-nos-á vulneráveis, é certo. Quem procura produzir algo de sério pode tropeçar, cometer erros, fraquejar por vezes, e está sempre a jeito de levar com o escárnio de quem não acredita na seriedade. Mas continuamos a achar que o esforço vale a pena. Se nisto consistir uma causa, então é a nossa. Saudamos todos os que queiram juntar-se a nós nesta caminhada e ajudar-nos a fazer sempre mais e melhor.
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Abril foi o mês de realização de um projeto que já vinha sendo planeado desde que o jornal voltou ao ativo: a comemoração dos “26 Anos d’Os Fazedores de Letras”, que incluiu uma exposição no átrio da faculdade (de 29 de abril a 2 de maio) e a distribuição de uma edição antológica comemorativa, recheada de alguns dos textos mais significativos dos diversos momentos da história do nosso jornal. Esta iniciativa foi impulsionada principalmente pela Leonor Buescu, nossa colega, e pela Isabel Garcez, ex-directora e fundadora do Jornal, tendo contado com a colaboração de uma turma de Design Editorial da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, regida pela prof.ª Sofia Leal Rodrigues. Cada grupo da turma apresentou uma proposta de curadoria sobre o espólio d’Os Fazedores que lhes apresentámos, cabendo-lhes a selecção textual e a escolha da linha estética. Escolhemos o projecto que mais nos agradou e se nos adequava, mas tivemos, felizmente, a oportunidade de expor também as restantes propostas editoriais, interessantes e arrojadas. Esperamos ter oportunidade de vo-las voltar a mostrar daqui a uns meses. Julgamos, no todo, que foi um sucesso. Muito agradecemos a todos os envolvidos, que foram incansáveis em materializar esta ideia – que não seja esta a última vez que colaboramos!
A presente edição tem uma abundância de produção literária, uma das vertentes que mais marcou grande parte da história de publicação d’Os Fazedores, e que não pretendemos abandonar. Não podemos, no entanto, deixar de reafirmar que não pretendemos resumir-nos a um único tipo de texto. Procuramos variedade nos tipos de publicações e nos registos – artigos sobre vários temas de estudo; reportagens, entrevistas e notícias sobre assuntos que sejam caros à comunidade da FLUL; críticas de música/cinema/literatura. Acima de tudo, convidamos-vos a participarem connosco no Jornal: OFL é um projecto aberto e em busca constante de novos integrantes. Se quiserem colaborar de alguma forma, quer através do envio de textos e ideias de projetos, quer fazendo parte da equipa editorial, podem contactar-nos a qualquer momento em osfazedores@gmail.com.