A lagosta, Camila Santuri

Sentei-me. Pedi a lagosta. Será que estava ainda viva antes de eu pronunciar as palavras? Sacudi o pano, só por causa da lagosta. Rodei o vinho branco no copo. Chegou o pires com a manteiga.

Quiseram pôr-me um babete, quase que entrei num duelo de floretes, não quero, disse, já disse que sou crescida e não quero um babete; assim como a lagosta está morta, eu estou órfã, foi quase um silogismo. Agora, largue-me!

Aceitei o babete. A minha cara arredondou-se, e a minha pele tornou-se suave e leitosa. Olhei para a minha cara balofa no balão do copo de vidro, entristeceu-se-me a alma e fiquei sentada, à espera.

Não sei quem estava mais triste, se eu ou a lagosta. Foi uma refeição de uma tristeza macabra. Foi macabro por não ter sido totalmente triste. Havia uma grande excitação na lagosta por ser comida; o acto era todo ele entusiasmante e imprevisível.

Não me apercebi do quanto avançava na mesa de jantar, já não via nada à minha volta. Chegavam-me sinais providenciais do céu negro do restaurante, mas o endoscópio vasculhava já freneticamente o interior da matéria.

Havia uma mancha rubra em cima do meu prato, e os meus olhos rodavam doidos numa afogueada espiral logarítmica.

Traguei um dos últimos pedaços e emergi num choro desesperado. Os soluços faziam-me crescer na cadeira. Arranquei o babete, mas era já tarde demais: a lagosta estava óptima, e já não restava mais nada dentro de mim.

Camila Santuri