Entrevista por Cristiano Jesus.
Fotografias gentilmente cedidas pela Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (AEFLUL).
No âmbito das Jornadas Culturais que decorreram até ao dia 6 de Abril, Pedro Falacho, músico convidado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa, tocou cool jazz no bar da biblioteca da FLUL durante uns breves 20 minutos.
Falacho confessou posteriormente que lhe foi pedido que tocasse “músicas calmas” (quem se lembraria de fazer barulho eletrizante junto às escadas que dão acesso à biblioteca: lugar de silêncio, de estudo, e, por vezes, de repouso?), mas o ambiente circundante não ajudava à criação de uma atmosfera de contemplação e de ligação entre o público e a música. O ruído constante vindo do balcão do bar e de conversas alheias ameaçava sempre quebrar esse laço. Na primeira música, entre o tilintar das chávenas de café e o diálogo das pessoas, o som vindo do piano era como um intruso, mas o músico nunca se deixou perturbar pelas distrações e manteve-se sempre focado na música que tocava. Algumas pessoas estavam sentadas nas cadeiras junto às mesas do bar da biblioteca e, mesmo aparentando terem sido apanhadas de surpresa pelo que ali acontecia, nunca deixaram de conversar, como se nada ali decorresse. Outras permaneciam de pé escutando a música. Quando começou a segunda música, o ambiente emudeceu e Autumn Leaves chegou calmamente, escondida até que a melodia principal irrompeu e se tornou reconhecível. Podíamos ouvir das teclas do piano, como se cantassem num fraseado fluído, a melodia e o stacatto da harmonia dos primeiros versos da música: “The falling leaves drift by the window…”. O público tímido receava em bater palmas entre as músicas, guardando-as todas para o final. Foi um momento agradável que acabou por romper com a monotonia do quotidiano. Depois do concerto estivemos à conversa com Pedro Falacho.
Os Fazedores de Letras: És aluno da Faculdade de Letras?
Pedro Falacho: Não, estudo Economia em Carcavelos. Como já conheço a Mariana, que está na Associação de Estudantes, há alguns anos, [ela] convidou-me a vir cá tocar depois de me ter falado sobre as Jornadas Culturais.
O.F.L.: Tens formação em música.
P.F.: Sou da Figueira e fiz lá o conservatório [Conservatório de Música David de Sousa], mas não estudei piano. O meu pai é professor de piano e foi com ele que tive aulas de piano. Com um piano em casa, um pai professor de música e a estudar, tudo isto ajudou a desenvolver o interesse pela música e depois pelo jazz.
O.F.L.: Chegas ao jazz através do teu pai?
P.F.: Não sei bem quando tudo começou. Fiz o conservatório, que é essencialmente à volta da música clássica, e comecei por tocar bateria. Eu estudei percussão, que não é só bateria e envolve muitos mais instrumentos: marimbas, vibrafones, tímpanos, que são muito usados em repertório de orquestra, por exemplo. Depois de ter entrado para o conservatório, nunca deixei de tocar bateria, e, quando procurava músicas para tocar, o que encontrava mais era blues, rock e jazz, pois nunca fui grande fã de heavy metal. O interesse foi surgindo por aí. Mas sempre me fascinou muito não só a parte rítmica, que é a parte da bateria, mas também a parte das harmonias, das melodias e a própria história do jazz. Quando entrei para o 10º ano, ao mesmo tempo que fazia o regime supletivo no conservatório, um dos instrumentos que me captou a atenção foi o vibrafone; e o vibrafone é um instrumento que começou a ser utilizado no jazz nos anos, mais ou menos, 30 e 40. O professor perguntava-me qual era o repertório que queria tocar e, então, fui entrando no reportório mais “jazzístico”. Como podia tocar aquele instrumento que estava relacionado com jazz, a maioria do repertório tinha aquele toque de jazz. Permitia-me fugir um pouco ao clássico. Depois, entrei na orquestra da Figueira [Escola de Artes do Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz], e foi desta maneira que o jazz ganhou importância na minha vida.
O.F.L.: O jazz é caracterizado pela liberdade e a comunhão entre os elementos…
P.F.: Sim, no fundo o que acabaste de descrever é o jazz. Aliás, quando estás a tocar, o jazz é muito exigente, porque tu tens de estar sempre a pensar na forma das músicas. Na parte rítmica (bateria), obviamente, não tens de estar a pensar em que acorde é que vai, mas pode acabar por ser confuso. Um baterista é quem comanda uma orquestra ou um quarteto. Tu tens de saber sempre tudo o que está a passar e dar as entradas aos solistas e ser seguro. As pessoas com quem tu estás a tocar têm de perceber o que estás a fazer. E a mesma coisa para quem está a tocar instrumentos melódicos e harmónicos. Tens de saber em que acorde a música vai e, se estás a fazer um solo, saber em que acorde estás a tocar. Tens de saber comunicar com os vários elementos do grupo. Por isso, para quem está a tocar, essa liberdade existe quando se faz o solo, não sendo tão rigoroso como o clássico em que tens de seguir uma partitura, nota a nota, dinâmica a dinâmica; mas depois é muito rigoroso neste ponto de formas e estruturas.
O.F.L.: Qual é o pianista de que mais gostas?
P.F.: Uma coisa curiosa é que eu passo muito tempo a ouvir música no YouTube, ouvindo diferentes vídeos do pianista a tocar, e depois os nomes acabam por me escapar. Ouço tanto baterista [e] vibrafonista que é difícil decorar os nomes todos, mas é claro que alguns se destacam. Gosto muito do estilo do Bill Evans. Há harmonias que ele faz que transmitem aquela liberdade [de] que falavas no jazz, que parece que é tudo muito calmo, muito livre. O jazz tem vários períodos: big bands, bebop e, depois, nos anos 60, surge o cool jazz, que é o estilo que mais gosto. Tudo o que estive a tocar foi à volta deste ambiente do cool jazz. Claro que tenho interesse por todos os estilos, mas ouvir harmonias compostas por um pianista como o Bill Evans é uma coisa transcendente. Para além dele, tens: Chick Corea, [que] é um pianista que toca tudo e mais alguma coisa; Keith Jarrett; Oscar Peterson, [que] é um bocadinho mais antigo, mas também foi um pianista muito interessante a nível de swing e big bands.
O.F.L.: Tocas só em orquestra?
P.F.: Além de tocar em orquestra, no ano passado, formei uma banda com uns amigos meus. Toco bateria e sintetizador e temos um pianista e um cantor. A banda chama-se Prilysteen Fire[1]. O nome da banda é um pouco difícil de pronunciar à primeira, mas é porque nos chamamos os três Pedro e fazemos anos em Abril. Já nos conhecemos há alguns anos e, por isso, aquela química de tocarmos os três juntos é uma coisa que já está presente.
O.F.L.: Mas é uma coisa mais séria ou é só para diversão?
P.F.: É uma coisa séria. Começámos no Verão e tocámos em alguns espetáculos e em bares. Com o início do ano lectivo, devido a termos entrado, eu e o vocalista, para a universidade (o pianista ainda está no 12º ano) fica difícil ter tempo para ensaios regulares e espetáculos. Quando começámos foi sério, só que agora tem faltado tempo; mas vontade não falta.
[1] Visite a página da banda na rede Facebook: https://www.facebook.com/prilysteenfire/.