Texto de João Esteves da Silva
Num obituário publicado na revista Analysis aquando da morte de Ludwig Wittgenstein em 1951, Gilbert Ryle, também ele um dos maiores filósofos do século XX, concluía:
«Wittgenstein has made our generation of philosophers self-conscious about philosophy itself. It is, of course, possible for a person to be very thoughtful about the nature and methods of an activity, without being made any better at performing it. […] But Wittgenstein’s demolition of the idea that philosophy is a sort of science has at least made us vigilant about our tools. We no longer try to use for our problems the methods of arguing which are the right ones for demonstrating theorems or establishing hypotheses. In particular we have learned to pay deliberate attention to what can and cannot be said.»[1]
Hoje, porém, a filosofia vive tempos bem diferentes daqueles em que estas lições foram, se não devidamente assimiladas, pelo menos levadas a sério por muitos dos seus praticantes. Sob pretexto de terem sido em grande medida «ultrapassados» por filósofos das gerações seguintes e de assim terem «passado à história», nomes como os de Wittgenstein ou Ryle vão figurando cada vez menos em debates que se pretendam impor como sérios e, ao mesmo tempo, a ideia de que a investigação filosófica é um tipo particular de investigação científica (uma espécie de pré-ciência ou super-ciência) tem vindo a ganhar uma nova força. Além disso, e enquanto tais incompreensões acerca da própria da natureza da filosofia proliferam (estas, por sua vez, associadas de perto a uma miríade de confusões conceptuais), a discussão metafilosófica vai sendo relegada para um plano secundário.
Assumindo a correcção do diagnóstico de Ryle e partindo do princípio que, embora caricaturalmente abreviada, a nossa subsequente descrição não é descabida, parece avultar uma regressão na história da filosofia: isto é, fica a ideia de que esta terá tido os seus mais recentes tempos áureos, ainda que conturbados, em meados do século passado e que, pelo contrário, o cenário actual é quase, digamos, pré-apocalíptico. No entanto, e por mais que seja esta a nossa impressão, o caso é mais complexo do que isso. Se tomarmos, por exemplo, os referidos pretextos para descurar o legado de alguém como Wittgenstein como infundados, descartando assim a ideia de progresso (no sentido de ‘evolução positiva’) em filosofia, a própria noção de regressão é também ela posta em causa. De qualquer das formas, o que é certo é que a paisagem sofreu alterações que por si só se apresentam como matéria acerca da qual urge reflectir.
Foi com esse preciso intuito que, no passado dia 17 de Janeiro, um grupo de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa se reuniu para uma muito estimulante conversa com Brett Bourbon, professor associado no Departamento de Inglês da University of Dallas e professor visitante regular no Programa em Teoria da Literatura da nossa universidade. Ao longo de cerca de uma hora, discutiram-se, entre outros assuntos, a natureza da filosofia (o seu potencial quer deflacionário, de crítica conceptual, quer construtivo, ou a perplexidade que costuma estar na sua génese), o seu estado actual (em particular na academia americana), a questão de como integrar as contribuições de autores do passado na nossa compreensão presente, ou a necessidade de se resistir ao cientismo tão característico dos nossos dias.
Já no Tractatus, Wittgenstein observava que a filosofia não é um corpo teórico particular, mas uma actividade. A isto gostaríamos de acrescentar, seguindo aquilo que nos disse Bourbon: a actividade de bem pensar, seja sobre o que for.
[1] Ryle, Gilbert, «Ludwig Wittgenstein» in Collected Papers – Volume 1: Critical Essays, New York: Routledge, 2009, p. 266.