Imagem: The Course of Empire – The Arcadian or Pastoral State, Thomas Cole, New-York Historical Society, 1836.
Tradução do grego antigo de Duarte dos Anjos.
Canta-me, ó Musa, sobre o caro filho de Hermes,
De pés caprinos, duplo corno e amante do som,
O qual pelos prados frondosos passeia na companhia
De Ninfas dançantes, que pisam os cumes dos montes
Íngremes chamando por Pã, deus pastor de pelo claro e
Deslavado, que obteve dos deuses toda a crista nevada,
Os cumes das montanhas e os picos rochosos.
Vagueia aqui e ali pelos arbustos cerrados,
Ora trilhando pelas correntes suaves,
Ora deambula também nas rochas escarpadas,
subindo à mais alta colina que observa os rebanhos.
Muitas vezes corre através da grande e nívea montanha.
Muitas vezes, arrojando-se pelas colinas,
Olhando astutamente, chacina feras.
Umas vezes, voltando da caça à noite, solitariamente silva,
Tocando uma doce música, coberto por um molho de canas;
E o pássaro, aquele que entre as folhas da primavera florescente,
Derramando um lamento, chilreia um canto melodioso,
Não é capaz de o superar no canto; outras vezes,
As Ninfas serranas de belo canto passeiam com ele,
E pelos pés leves celebram dançando e cantando,
Junto à fonte de negras águas; enquanto Eco
Pranteia às voltas no topo da montanha; o deus
Ora está deste lado do coro, ora do outro, e outras vezes
Indo para o meio, conduz as danças com os pés leves,
Com trapos de lince rúbeo nas costas, e deleita o coração
Com os cantos e danças serenos no prado suave, onde
O açafrão e o jacinto cheiroso, ao florescer, tornam-se
Indistinguíveis entre as ervas. louvam os deuses felizes e
O distante Olimpo; e cantam aquele só, superior aos outros,
Hermes Eriúnio [1] e eminente, e como ele é o veloz
Mensageiro de todos os deuses, e como veio
Até à Arcádia de muitas nascentes, mãe dos rebanhos,
Onde tem em seu nome o santuário de Cilene.
Aqui, embora sendo deus, pastoreou rebanhos de pelo hirsuto
Na casa de um homem mortal, pois um desejo enfraquecedor
E assaltante de se unir em paixão com a virgem de Dríope floresceu;
E aqui consumou o matrimónio primaveril, que gerou
A Hermes o seu filho no mégaron [2], e logo fora maravilhoso
De se ver, de pés caprinos, duplo corno, de riso doce e
Amante do som; A ama, ao ver este aspeto terrível e já barbado,
Levantando-se de imediato, fugiu e abandonou a criança,
Pois temia (-o). De súbito, Hermes Eriúnio, aparecendo,
Colheu com a mão a criança, e o deus rejubilou-se
Imensamente no espírito. Velozmente foi até à moradia
Dos imortais, cobrindo a criança com densas peles de lebre
serrana. Sentou-se junto de Zeus e dos outros imortais e mostrou
o seu rapaz; todos os imortais se alegraram no espírito, o
Báquico Dioniso mais que todos; Chamaram-no “Pã” [3],
Visto que alegrou o coração a todos.
E tu alegra-te também, ó soberano [4], apaziguo-te
Com este canto, mas ainda me lembro de ti.
E de outro canto também.
Notas:
[1] Que traz boa sorte
[2] Sala central nos palácios micénicos que rodeia uma grande lareira.
[3] A palavra grega pan significa todos.
[4] Primeiro entre iguais. No contexto homérico refere-se a Agamémnon