Fotografia de Vitorino Coragem.
Texto de Marta Cruz.
Muito Barulho por Nada estreou no passado dia 9 de janeiro no Teatro do Bairro, e garanto-vos que tão cedo a vizinhança não vai dormir. Depois de Noite de Reis e Sonho de Uma Noite de Verão, esta é a terceira de três comédias Shakespearianas encenadas por Luís Moreira, integrando um ciclo que continuará com três tragédias do mesmo autor.
Muito Barulho por Nada tem sido um êxito de palco desde que foi escrita (diz-se que entre 1598 e 1599). Não se esperaria outra coisa, já que é uma peça trágico-cómica mesmo daquele género de que nunca ninguém quer necessariamente gostar (porque nunca ninguém admite que gosta de rir da desgraça alheia) e, ao mesmo tempo, a que ninguém é capaz de resistir sem pelo menos ser franco com a sua própria vontade de rir. É um texto que não faz mais do que espelhar a crueldade do homem e o quão patéticas podem ser as situações de «diz que disse» por ela apadrinhadas. Mais uma vez, a Filho do Meio traz a palco uma dessas obras que são clássicas precisamente porque tocam em feridas intemporais. Este grupo, que vai andar em reboliço no Teatro do Bairro até dia 3 de fevereiro, pode orgulhar-se de ser uma espécie de bando de iluminados que decidiu que havia de fazer rir à custa do que eles próprios devem ter de pior, a sua humanidade.

Eu tenho acompanhado este fenómeno de perto, e por isso assegurei o meu lugar na estreia. Não me desiludi! Como nas restantes produções do grupo, a experiência de Muito Barulho por Nada começa logo à entrada do teatro, quando transpomos a porta e nos deixamos misturar com o cenário da peça e o ambiente que a prepara. Na «folha de sala», que a produção cuidadosamente distribuiu, Luís Moreira começa por nos navegar pelos meandros da narrativa e por certos segredos da sua intenção. Depois, com o seu sempre humilde olhar de quem tão bem trabalha William Shakespeare (cujo conteúdo programático pode ser assoberbante), põe a mão na nossa consciência e lembra-nos de que as nossas virtudes podem superar os nossos defeitos «se dermos mais importância àquilo que nos une, em vez daquilo que nos divide». Eu, que bem sei o quão desconfortável fico com o peso que carregam os versos de Shakespeare (neste caso traduzidos por Fernando Villas-Boas com uma pautada subtileza), agradeço à Filho do Meio por, mesmo sem qualquer financiamento, nos saber «contar uma boa história» num tom que certamente fará com que muitos deixem de se assustar com o autor quinhentista.

Mas, se esta envolvência extraordinária é um dos seus cartões de visita, o que mais distingue esta gente? Fácil: provavelmente o facto de não fazerem teatro só para se armarem ao pingarelho. Pelo contrário: eu diria que representam boa parte do que de melhor se tem feito de Shakespeare em Portugal. Muito Barulho por Nada conta com um elenco composto por Ana Baptista, Frederico Coutinho, José Redondo, Luís Lobão, Luís Moreira, Paula Neves, Paulo Duarte Ribeiro, Sandra Pereira, Valter Teixeira e, como não posso deixar de destacar, a excecional parelha constituída por Alice Medeiros e João Vicente, uma Beatriz de língua bem afiada e um Benedito duríssimo de roer. À sua interpretação junta-se o já muito conhecido trabalho da figurinista Maria Gonzaga, e ainda a produção da Leonor Buescu, a fotografia do Vitorino Coragem, o desenho de luzes do Rui Seabra e o trabalho de vídeo da Rita Madalena Cabrita. Sejamos francos: há equipas a quem se tem de tirar o chapéu!
Meus caros, ouvide: apressai-vos a comprar bilhetes! É que esta gente tem o terrível hábito de encher a sala.