Inquérito sobre o Maio de 68: Tila Cascais

Inquérito preparado por Youri Paiva. Fotografia de Gérald Bloncourt, “Greve na Renault de Boulogne-Billancourt”.

Nos 50 anos do Maio de 68, lançámos um inquérito de quatro questões a quatro pessoas que estiveram, por essa altura, em França.

Responderam ao inquérito: Jorge Valadas, José Mário Branco, Manuel Villaverde Cabral e Tila Cascais.

  1. O que te levou a estar em França em 1968?

A PIDE – estava em vias de ser presa, por razões políticas.  A fuga para França era, se desse certo, uma opção para fugir às garras da polícia de Salazar.

Não estando legal naquele país, importava ter alguns cuidados, nomeadamente evitar ser presa pela polícia francesa.

  1. Quando falamos do Maio de 68, também falamos de pessoas que “estiveram” no Maio de 68. O que foi esse teu “estar” no Maio de 68?

Era empolgante e tentador correr alguns riscos e movimentar-me, de mente aberta, naquela agitação de contestação e reivindicativa que foi o Maio de 68, em França. Num Mundo em ebulição contra imperialismo, contra o racismo e todas as formas de autoritarismo.

Maio não se limitou à explosão dos jovens. Foi muito mais abrangente, transversal a todas as esferas da sociedade francesa – das artes e da cultura ao mundo trabalho.

Inicialmente, protagonizado pelos estudantes e jovens franceses, com ocupação das Universidades e confrontação nas ruas. Depois, pelos trabalhadores, decretando uma greve geral, com uma taxa de adesão de 70%, seguida da ocupação de centenas de fábricas. Este Maio paralisou o país e fez abanar os alicerces do Poder.

Havia, então, mais que um Maio: um reivindicativo, o dos trabalhadores; outro, o dos estudantes, que não sei se foi um protesto, ou uma revolta. Se menos sobre as condições do ensino e a relação destes com as instituições académicas, ou mais contra uma moral conservadora instalada, ou um movimento de contestação à ordem instituída (agressora, autoritária e repressiva, geradora de sociedades individualistas, desigualitárias, castradoras da liberdade individual e dos povos). Talvez tudo isto, ou nada disto. E, então, fica-nos a irreverência juvenil, também ela saudável. Questionar e exigir respostas, que prefiro ao seu contrário, o conformismo, o desinteresse pelo colectivo. Muito influenciado pela verborreia esquerdista, perdeu-se na urgência do todo, não se focando em objectivos concretos de curto e médio prazo.  Morre tão rápido como nasceu. Outro, o dos trabalhadores, mais transparente, mais entendível, concreto nas suas reivindicações e nas conquistas então alcançadas.

Nem tudo ficou igual? Concordo. Pela positiva: alteração das mentalidades relativamente a temas tabus como liberdade sexual e a emancipação da mulher. Pela negativa: danos colaterais nas estruturas organizativas dos trabalhadores e do seu partido de classe.

  1. Como sentiste o que estava a acontecer em França em relação à ditadura em Portugal?

Em Portugal, o fim da década de 50 e toda a década de 60 foram anos de grandes lutas:

  • eleitorais (presidenciais, em 58 – Humberto Delgado);
  • nas fábricas e nos campos;
  • e de estudantes em 62 e em 69: por uma Universidade autónoma, pela democratização do Ensino; pela liberdade de expressão e associação; contra a guerra colonial e contra a guerra no Vietname, em Fev. 62, com uma manifestação, no Porto. Como paralelismo a brutal repressão exercida sobre os estudantes.

Maio de 68 teve a atenção do Mundo e, naturalmente, de Portugal. Mais que influência, que creio não ter sido significativa, terá sido um estimulo nas lutas 69.

  1. O que é que o Maio de 68 nos deixa para hoje e para o futuro?

50 anos passados sobre este acontecimento, podemos projectá-lo no futuro do nosso ou de qualquer outro País? Apesar de persistir o contestado de então, o resultante da matriz do capitalismo/monopolista, o Mundo está em constante mudança. Repetir a História seria duvidar da capacidade intelectual das gerações: da actual e da futura.