Entrevista feita por Miguel Andrade
Há cerca de 3 anos o professor incentivou a organização por parte do CEC de um curso de Língua e Cultura Nórdica Antiga com a presença de vários professores italianos. O que motivou essa iniciativa, e como entrou em contacto com estes professores?
– Foi uma iniciativa do Centro de Estudos Clássicos, contactei um professor italiano, Alessandro Zironi. Ele próprio e mais três pessoas – o Prof. Fulvio Ferrari, o Prof. Massimiliano Bampi e a tradutora de islandês Silvia Cosimini – organizaram, durante 15 dias, um curso intensivo de islandês e cultura nórdica. Esse curso teve muito sucesso aqui na faculdade. Inscreveram-se quinze alunos e a ideia era justamente dar alguma visibilidade a uma cultura que não era estudada e que me parece importante e claramente integrante da grande cultura europeia. A ideia foi lançar as bases de uma aprendizagem do islandês, para que depois um grupo restrito, que saiu dos alunos do curso, pudesse continuar por ele próprio, e que quem estivesse interessado pudesse aderir. E foi isso que aconteceu.
Conhecia estes professores do mundo clássico. O Professor Alessandro Zironi é um medievalista, um filólogo, precisamente das línguas germânicas, e eu já o conhecia há longo tempo. Tive com ele contactos, em primeiro lugar, por causa de cursos relacionados com a cultura europeia e, portanto, contactei-o para que ele pudesse organizar este curso. Para nós, aprendizes de classicistas, é muito interessante podermos ter esta possibilidade de comparação com outras línguas antigas. Foi isso que me motivou, ao mesmo tempo que estava e estou muito interessado pela cultura nórdica. É uma área que eu não conhecia bem – nem hoje conheço bem ainda -, mas procurei por mim que essa obscuridade em que estava a cultura nórdica pudesse ser um pouco colmatada com alguma aprendizagem.
E qual foi, então, o primeiro contacto do professor com o mundo das sagas e da mitologia nórdica?
– O meu primeiro contacto foi por curiosidade cultural, digamos assim, e pelo estudo da epopeia – interesso-me bastante por textos épicos. É justo que se faça, aqui, uma referência ao professor José António Segurado e Campos, que foi meu mestre, e com quem tive um seminário sobre literatura épica. Aí abordámos muito superficialmente algumas sagas. A minha curiosidade pela mitologia nórdica e pelos escritos das sagas nórdicas vem daí. Foi por uma questão de cultura geral, digamos assim. Isso é que me levou a ter este interesse mais concreto pela aprendizagem da língua. Que, atenção, não é particularmente difícil. Para quem tem já algum treino no grego e no latim, em línguas clássicas, a aprendizagem do islandês – evidentemente que não é uma coisa fácil -, mas não é uma coisa que desmoralize. Pelo contrário, se a pessoa se dedicar com alguma disponibilidade a este assunto, em pouco tempo verificará que teve progressos significativos. Isso também é um argumento para entusiasmar quem começa.
Qual a importância que poderiam ter os Estudos Nórdicos Medievais numa Faculdade de Humanidades, em Portugal? Que, ao que sei, é um campo praticamente inexistente.
– Existe muito pouco. No Porto há uma pessoa que estuda matérias. A mim parece-me de altíssima relevância. Acho que uma universidade de Humanidades, justamente, deve englobar nos seus saberes, tanto quanto possível, o universo significativo de culturas e de línguas, e não tenho qualquer dúvida de que a cultura nórdica é um elemento significativo no concerto destas culturas antigas e das culturas europeias. E também não tenho nenhuma dúvida de que quem queira estudar a cultura europeia não se pode alhear desta fonte nórdica. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso. E tenho esperança que, lentamente, se venha a criar aqui na faculdade um núcleo mais sólido de estudantes e interessados na cultura nórdica que, quem sabe, possam no futuro ter outra projecção aqui na nossa faculdade.
No seguimento da sua resposta, o que seria preciso para começar e desenvolver o estudo desta área?
– Bem, o que talvez fosse necessário, mas isso já me escapa a mim pessoalmente, seria institucionalizar o ensino e a aprendizagem da língua e da cultura nórdicas. Talvez se este núcleo de interessados persistir e, até, se alargar em número, isso seja uma primeira porta que se abra para que tal possa vir a acontecer no futuro. O que, certamente, não é possível é abrir e criar uma cadeira ou uma área de estudos onde não há alunos. Neste momento, nós não temos força financeira que nos permita ter essas veleidades. No entanto, se houver um grupo mais ou menos significativo de pessoas interessadas, quanto ao princípio, eu não tenho dúvida nenhuma de que a área de estudos nórdicos deve ter lugar numa faculdade de letras.
Uma coisa poderia também levar à outra. Muitas vezes as pessoas não têm noção de que certo campo de estudos existe, de que poderiam desenvolver um interesse nele e estudá-lo.
– É verdade. Talvez, se nós conseguirmos manter o grupo… Apesar de tudo é um número mais ou menos significativo. Talvez se possa então falar com o Director da faculdade e com os outros órgãos competentes, no sentido de procurar assegurar anualmente uma cadeira cujo objectivo seja justamente o ensino da língua e da cultura nórdica.
Entretanto, será que poderia, por exemplo, haver outras iniciativas tais como palestras ou seminários que ajudassem a trazer aos alunos a consciência de que esta área de estudos existe e fomentar-lhes o interesse?
– Certamente. Até agora temos trabalhado num regime voluntário, amador. Não está fora da minha ideia – sobretudo se tiver a colaboração do grupo de estudo – a organização de um colóquio, de uma jornada ou simpósio, onde possam vir professores estrangeiros, nomeadamente o Prof. Zironi e outros. Talvez isso possa justamente funcionar como um elemento desencadeador de um maior interesse na área da língua nórdica. Língua e Cultura – porque o que me interessa não é apenas a língua. De um modo geral, a língua é sempre um pórtico para uma compreensão da realidade, para um modo específico de olhar para o mundo e, quando morre uma língua, não tenhamos dúvida de que morre um modo específico de olhar e compreender o mundo. Portanto, para mim a ligação entre Língua e Cultura é óbvia.
O próprio curso de há 3 anos foi de Língua e Cultura Nórdica Antiga, nunca se tendo desligado uma coisa da outra desde o princípio desta iniciativa. Há ideia de voltar a fazer um curso destes, uma continuação ou até uma repetição do nível em que se fez o anterior?
– Não é fácil, não é fácil. Aquele resultou de um grande esforço, quer do CEC, quer das pessoas que cá vieram, porque vieram em condições muito favoráveis para a própria faculdade e para o próprio Centro. Agora, eu estou satisfeito por ter permanecido – e já lá vão 3 anos – uma chama de interesse e de trabalho que se vai renovando todos os anos. Por isso, não é de excluir a possibilidade de renovar esse curso, de fazer um outro curso, talvez noutros termos, com menos pessoas. Talvez seja possível. Aquilo que nós devemos fazer, os que temos interesse nisto, é concluir este trabalho que estamos a ter, de tradução e publicação de uma ou duas sagas. Darmos alguma ênfase ao trabalho já feito, e a partir daí então pensar noutros projectos. Primeiro, gostaríamos de terminar a tradução de uma ou duas sagas, ainda que sejam pequenas, publicá-las, e então depois partir para outras coisas.
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Leiam aqui uma tradução do islandês antigo feita por alunos da faculdade.
Leiam aqui 4 poemas de J. L. Borges dedicados à Islândia, traduzidos para português.