Noite, escura,
vento, um pouco, e o som das suas carícias nas árvores;
é o nono dia do augusto mês estival,
Anno Domini MMXV.
Amor…que é o Amor? Folhas batidas pelo vento
no ar frio de um dia de Outono. E o vento o tempo;
quem as persegue, quem as almeja, quem as sonha?
Quem não passa por entre os lábios do vento, apressado
o passo morto, já lá vem o autocarro, ai as horas…horas?
Que sabem eles de horas, os fantasmas vivos? Nós
ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos, sabemos.
Esperam pelos deles, os destes transeuntes cegos
que não vêem as folhas fugindo no ar, elevando-se ao céu
por desconhecerem nesta terra que estão vivos, que o bater
de um coração em peito de gente, o respirar, como folhas
são num vento maior. Mas quem pode morrer, se viveu?
O quadro que vemos, impressionista, é uma rua, já sabíamos,
mas agora uma figura sai, para o Outono ululante,
como de um pálio sagrado para a entrada de um santuário.
Espera. Uma outra figura pára, trespassada; o tempo parou,
já não há vento, nem autocarros, nem horas, nem nada
fora deste instante, desta instantânea eternidade. Avança,
toma-lhe a mão, já não é preciso pálio ou santuário, santuário
é o mundo todo, eternizado num beijo, enquanto mãos
juntas balançam e passos se acertam, surdos ao vento que sopra,
às folhas que dançam e fogem, aos cegos, tristes, que tacteiam.
Por uma álea avançam e como que se sustém o momento – não há tempo.
Oxalá houvesse cinzel que o esculpisse, de um Leonardo
ou Michelangelo, que captasse no mármore, obra de pietà,
a perfeição extratemporal destas estátuas moventes, vivas.
Mas não há artista para esta obra, além de todos os artistas;
velha sentença: cala-te o melhora o silêncio; só nos resta este olhar,
este admirar e o silêncio de quem admira, pois que podem
os cegos cinzelar ou os mudos compor? Não há poetas
do amor (isso é mito) que não sejam os que o escrevem
na vivência das suas almas, que tão sublime matéria só na prática
de si em verso tornar-se pode.
Tomás Ferreira